Julia Sirena
“Todo mundo que eu amei já morreu. Não tenho mais ninguém a quem proteger. Ninguém mais por quem mentir, a não ser por mim mesma. As pessoas sempre acompanharam de perto os detalhes mais intrincados da minha falsa história de vida. Mas não é… Eu não… Quero que elas conheçam a verdadeira história. Quem eu sou de verdade.”
O livro “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo”, escrito por Taylor Jenkins Reid, conta a história ficcional da estrela de cinema Evelyn Hugo, que, aos 79 anos, decide expor publicamente sua verdadeira história de vida. Para isso, a lendária atriz decide conceder entrevistas para a jornalista Monique Grant (e só poderia ser para ela), para a surpresa da profissional, que não tinha uma carreira de sucesso até o momento. Com as entrevistas, Evelyn queria que a jornalista escrevesse sua biografia, tendo ela mesmo como fonte e dando liberdade para que Monique opinasse e fizesse perguntas.
Capa do livro. Imagem: Reprodução
Da organização à narrativa, a autora não deixa faltar criatividade. Aos poucos, conta a história pessoal e profissional da protagonista que, como entrega o título do livro, casou sete vezes durante sua vida, daí vem o nome do livro.
O livro é dividido em sete partes, uma para cada marido, de forma cronológica. O ponto central dos capítulos não são os homens em si, mas o que estava acontecendo na vida de Evelyn Hugo durante o período em que esteve casada com cada um deles. Assim, é possível entender como uma adolescente latina, pobre e negligenciada acabou se tornando uma das maiores atrizes de Hollywood do século XX e, também, como essa mesma menina enfrentou tantos problemas em sua vida pessoal.
“Eu passava metade do tempo expressando meu amor e a outra metade escondendo esse amor”
“Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” é uma obra completa que vai muito além das fofocas atreladas à vida de uma celebridade, mas também trata de forma sensível temas delicados, como o relacionamento abusivo, o machismo e a homofobia.
Evelyn Hugo era uma mulher bonita que, no contexto do século XX, se casou com sete homens diferentes. Infelizmente, assim como muitas outras mulheres dessa época, a atriz viveu relacionamentos tóxicos, sofrendo humilhações, dependências e agressões vindas de seu marido.
Além do machismo nas relações pessoais, Evelyn precisava lidar com esse fardo também no trabalho. Assim que chega à cidade, ainda adolescente, ela percebe que a indústria é dominada por homens que buscam apenas o próprio benefício. Logo cedo, decide usar o machismo ao seu favor e acaba cedendo a alguns abusos advindos de profissionais do meio. Além disso esconde seus traços latinos ao pintar o cabelo de loiro e abandonar, quase que completamente, o espanhol.
O fato de ter se casado sete vezes foi um marco e tanto na imagem da atriz. Mas o que ela jamais tinha revelado antes das entrevistas era sua sexualidade. Evelyn Hugo era bissexual, e o amor da sua vida havia sido uma mulher. Esse tema é tratado com delicadeza pela autora, que explora as dificuldades de viver um amor homossexual naquela época.
Se atualmente a comunidade LGBTQIA+ ainda sofre com preconceitos sociais, no século XX era tudo muito pior. Para qualquer pessoa da comunidade, se assumir não era (e ainda não é) nada fácil. Para alguém famoso como Evelyn, as críticas viriam de todas as partes; ela não teria que lidar apenas com a família e os amigos, mas com toda a mídia. A protagonista não via possibilidade de se assumir publicamente, já que isso provavelmente acabaria com sua carreira e sua fama. Esse foi apenas um dos fatores que atrapalhou Evelyn de viver feliz com quem realmente desejava.
Além da protagonista bissexual, há também representatividade gay e lésbica, com personagens de destaque que cativam o leitor por suas histórias, que não estão atreladas somente às suas sexualidades. Utilizando personagens tão diversos, a autora consegue também explorar o preconceito dentro da própria comunidade LGBTQIA+, visto que Evelyn é, por muitas vezes, inferiorizada por se relacionar com homens e mulheres, sendo vista como confusa e promíscua.
“Só que, obviamente, as pessoas entenderam tudo errado. E nunca se preocuparam em esclarecer. A mídia só conta aquilo que quer contar. Sempre foi assim. E sempre vai ser.”
Embora seja uma obra de ficção, o livro traz uma perspectiva jornalística, já que a narrativa se passa em forma de entrevista, feita por uma personagem que é profissional na área. Além disso, ao longo das páginas encontramos trechos de notícias publicadas sobre a protagonista durante sua vida.
Ao passar vários dias entrevistando Evelyn Hugo, Monique Grant acaba se envolvendo pessoalmente na história. É aí que o jornalismo deixa de ser tão objetivo e assume um lugar de sensibilidade e empatia essencial para que o próprio jornalista seja visto como o ser humano que é, capaz de opinar e de se solidarizar com o próximo. Monique (na verdade, Taylor) faz o leitor se sentir próximo da entrevistada, relatando suas falas e seus trejeitos e atrelando sua própria vida à história de Evelyn Hugo que, definitivamente, não a escolheu por acaso.
“Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” é uma ótima escolha para aqueles que buscam uma narrativa envolvente, com tramas pessoais e profissionais que fazem o leitor se perguntar se aqueles personagens são mesmo fictícios. Para além da fofoca, é por meio da história de uma mulher forte e independente que Taylor Jenkins Reid aborda temas sociais importantíssimos, ainda em pauta no mundo todo. Definitivamente, vale a pena conhecer Evelyn Hugo, com todo o seu poder e suas fraquezas.
“Eu disse: ‘Isso não te incomoda? Que seus maridos tenham se tornado um assunto tão importante, mencionado tantas vezes nas manchetes, que quase ofuscaram você e seu trabalho? Que aquilo que todo mundo menciona quando fala de você são os sete maridos de Evelyn Hugo?’. E a resposta foi pura Evelyn Hugo. ‘Não’, ela me disse. ‘Porque eles são só maridos. A Evelyn Hugo sou eu.”
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