Por: Gabriel Del Cima
(Contém spoilers)
Pôster do filme (Reprodução: Internet)
A História Verdadeira é um filme de 2015 dirigido por Rupert Goold e estrelado por Jonah Hill e James Franco. Essa dupla, conhecida por estrelar famosas comédias, dá vida aos personagens principais desse drama baseado em acontecimentos reais. Jonah interpreta Michael Finkel, um jornalista com a carreira em risco, e James se tranforma em Christian Longo, o principal acusado pelo assassinato da sua mulher e de seus três filhos.
Mike Finkel tinha uma carreira consolidada no New York Times. Porém, ao publicar uma matéria que representaria um marco para sua carreira, Finkel pôs tudo a perder. A reportagem, que ilustrou a capa da edição do dia 18 de novembro de 2001, denominada Is Youssouf Malé A Slave?, se tratava de uma investigação sobre a escravidão infantil na Costa do Marfim. Mesmo muito bem escrita, a matéria apresentou um cunho mentiroso. Ela foi construída, teoricamente, a partir das vivências de um único jovem, mas na realidade Mike entrevistou cinco pessoas diferentes e resumiu suas histórias no nome de Youssouf, com o propósito de trazer mais impacto à obra. Tal alteração da realidade só foi descoberta após a publicação da reportagem. Mike foi demitido.
Algum tempo depois, Mike foi informado que o possível responsável por matar a própria família tinha se autoproclamado "Michael Finkel" quando fora detido. Finkel vê essa notícia com bons olhos, uma maneira de voltar com a sua carreira. Então, ele sai de Montana a caminho de Oregon, onde Christian estava encarcerado, com o intuito de entrevistá-lo e fazer uma matéria sobre essa curiosa história.
No primeiro encontro, Mike tenta entender o porquê de Longo ter roubado a sua identidade quando foi preso no México. Ao ser questionado, Chris, como pediu para ser chamado, afirma: "Eu acompanho sua carreira toda… Seu jeito de defender os que não tem voz sempre me atraiu". Em seguida, ele afirmou que soube o que tinha acontecido com Mike pelos jornais e queria saber se era verdade. Ao longo do filme, nós conseguimos perceber que Longo, ao tentar se passar por Mike, queria chamar a atenção do jornalista recentemente demitido e se aproveitar de suas habilidades para criar uma narrativa que pudesse inocentá-lo. Como um predador, que soube identificar a presa mais fraca e aproveitar a sua chance.
Michael Finkel e Christian Longo, respectivamente, em um de seus encontros (Reprodução: A história verdadeira)
No decorrer da conversa, Longo diz: "Já recebi várias propostas de vários jornais. Eu sei que sou bem valioso para pessoas como você. Mas a maioria dos jornalistas só querem escrever o que os leitores querem ler. Não querem perder tempo descobrindo o que de fato aconteceu. Mas a essa altura acho que a verdade nem interessa". Mike responde afirmando que a verdade sempre interessa. Chris abre um sorriso amarelo e diz: "Ela sempre parece interessar para você". E foi nesse momento que Longo dominou de vez a sua presa.
Por meio dos diversos encontros entre Chris e Mike, uma relação de amizade foi construída entre os dois, recíproca ou não. Finkel decidiu que uma reportagem não seria suficiente para contar a história completa sobre o caso, portanto, ele começou a escrever um livro. Com o contrato do seu futuro livro em mãos, Mike é questionado pela sua esposa sobre a inocência ou não de Longo. Ele não soube responder, ou melhor, não conseguiu. Mesmo com as diversas provas que indicavam Christian como o assassino de sua própria família, Mike ficou cegamente apoiado no discurso de inocência propagado por Chris em suas conversas.
O filme conta com ótimas atuações dramáticas dos seus dois atores principais, porém elas são restritas por um roteiro mal trabalhado e articulado. O longa metragem de 1h39m de duração consegue cativar a nossa atenção, mas ao tentar contar uma história por vários ângulos diferentes, não consegue se aprofundar de maneira completa em nenhum deles, fazendo com que a narrativa se tornasse repetitiva. Mesmo com esses defeitos, o filme consegue esboçar uma atmosfera temática que deve ser abordada. Quais são os limites da relação entre jornalista e entrevistado?
A característica de se aproximar do entrevistado não é exclusiva desse caso, e sim o oposto, muitos casos famosos apresentam esse mesmo vínculo. Por exemplo, no livro-reportagem A Sangue Frio de Truman Capote, o escritor norte-americano, ao longo de sua vasta pesquisa sobre um episódio, também cria uma certa relação afetuosa com Perry Smith, um dos responsáveis pelo assassinato de uma familia do Kansas. Essa espécie de "Síndrome de Estocolmo" que se dá entre o jornalista e a fonte pode ser prejudicial para a produção jornalística em si.
Na primeira conversa entre Mike e Longo, o entrevistado propõe um acordo de exclusividade de informações para o jornalista em troca da não divulgação das informações antes do julgamento. Finkel concorda. Esse acordo foi seguido à risca por Mike, que mesmo quando procurado pela promotoria para ajudar no julgamento de Longo, se recusou.
"Estou tentando fazê-lo se sentir péssimo e culpado para que fale comigo…Você quer ser mesmo o homem que pode liberá-lo? Você já fez a sua parte. Agora é com a lei" -disse o assistente da promotoria de Lincoln, Oregon.
Nesse caso, o descomprometimento de Mike não atrapalhou a decisão final do júri, que declarou Christian Longo culpado pelos quatro assassinatos. Porém, e se atrapalhasse? Michael, como jornalista, teria alguma culpa no cartório? De acordo com a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, o Estado não pode fazer leis que limitem a liberdade de expressão, o que inclui a liberdade de imprensa, fato que propicia a estruturação de uma forte proteção ao sigilo do jornalista com sua fonte. No Brasil, o art. 5º, inciso XIV, in fine, da Constituição Federal garante o sigilo da fonte jornalística.
Michael Finkel não cometeu nenhum crime ao negar o pedido de ajuda no julgamento de Christian Longo. Mas, ele foi ético? Essa aproximação entre os dois podia trazer certa parcialidade para o livro de Mike? Se essa situação tivesse acontecido no Brasil, onde cultivamos uma cultura bem diferente da norte-americana, será que Mike sairia ileso?
Ao meu ver, o papel da imprensa como um todo é documentar. Finkel no filme afirma que todas as pessoas merecem ser ouvidas, mas os jornalistas não deveriam deixar que um dos lados dessa balança ideológica pese mais que o outro. Michael Finkel é o exemplo de que submeter a razão à face passional pode invalidar o ofício de um jornalista.
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