Gabriella Almeida
“Eu sei o que é, mas tenho vergonha”, diz a jovem, em meio a risos. “Qual o motivo por trás do sangramento?”, pergunta a entrevistadora, em outra cena. “Isso é algo que só Deus sabe. É sangue ruim que sai da gente”, responde a senhora. Depoimentos como esses são comuns no pequeno Distrito de Harpur, no interior da Índia, a 60 km de Nova Deli. Mulheres de todas as idades vivem constrangidas e envergonhadas pelo estigma que cerca algo tão natural e inevitável em suas vidas: a menstruação. Dirigido por Rayka Zehtabchi e financiado pela organização The Pad Project, Absorvendo o Tabu mostra que, apesar dos avanços do movimento feminista pelo mundo, algumas de nós ainda lutam por direitos tão básicos quanto respirar.
O curta-metragem acompanha a pequena revolução no Distrito de Harpur após a instalação de uma máquina capaz de produzir absorventes. Ao longo dos 26 minutos de filme, conhecemos um pouco da história de mulheres que, por causa da menstruação, tiveram que abdicar de muitas coisas em suas vidas, como a educação ou o trabalho.
(Reprodução: Netflix)
“A filha nunca falava com a mãe, a esposa nunca falava com o marido, amigas não conversam entre si. Menstruação é o maior tabu no meu país”, diz Arunachalam Muruganantham, criador da máquina de absorventes higiênicos de baixo custo. “Nossa missão é fazer com que 100% da Índia use absorvente higiênico, considerando o nível atual de menos de 10%.”
A pequena porcentagem de uso de absorventes é reflexo do tabu, presente em quase todos os países, mas muito mais radical na Índia. A desinformação atinge as mulheres, mas principalmente os homens, como mostra o filme: “É um período de aula? Do tipo que toca o sino?”, responde um jovem ao ser perguntado o que é um período menstrual. “Já ouviram falar em menstruação?”, tenta novamente a entrevistadora: “É tipo uma doença, não? Uma doença que atinge principalmente as mulheres.”
A máquina produtora de absorventes chega no vilarejo e começa a quebrar alguns desses estigmas. Além da curiosidade dos homens, o invento desperta um ânimo nas mulheres do distrito, que por muito tempo foram invalidadas pela suposta doença que carregam. Com as instruções detalhadas do criador da máquina, Arunachalam Muruganantham, elas agora podem produzir seus próprios absorventes.
(Reprodução: Netflix)
A novidade representa não só a conquista de um direito básico da mulher, mas também uma chance de independência financeira, já que muitas não tiveram as devidas oportunidades de estudo ou trabalho. Isso porque, sem o uso adequado de absorventes, as jovens eram obrigadas a andar com roupas manchadas, ou então voltar para casa e trocar de roupa, o que ocasionava em olhares curiosos dos homens da região e um constrangimento sem tamanho. Para evitar a vergonha causada pelo período menstrual, elas abandonam as suas rotinas e são encorajadas a casarem logo cedo. No entanto, nem todas se submetem a essa expectativa social: Sneha quer ser policial. “Por que quer entrar para a polícia?”, pergunta a entrevistadora. “Para me safar do casamento”, responde ela.
Outro aspecto cultural apresentado pelo documentário é a proibição da entrada de mulheres nos templos durante o período menstrual. De acordo com os costumes locais, elas são consideradas sujas quando menstruam, e não podem rezar apropriadamente pois não serão ouvidas pelos deuses. “A deusa para quem rezamos é mulher como nós. Então não concordo com essa regra. Não acho certo”, diz Sneha.
Apesar de todas as dificuldades, como estrutura precária e falta de energia elétrica, as mulheres de Harpur se unem e, durante as 8h de expediente diário, conseguem produzir em torno de 18 mil absorventes. Além do trabalho com a máquina, elas também são vendedoras e caminham pelo distrito, de porta em porta, oferecendo o seu produto e demonstrando a sua eficácia.
Para as mais idosas, esse emprego representa o primeiro e único trabalho formal de suas vidas. Para as mais jovens, a máquina trouxe a oportunidade de um futuro mais digno e independente. Mas, para além disso, trouxe o respeito pelo próprio corpo e o conhecimento de algo tão natural quanto respirar. No Distrito de Harpur, pode não ser o fim da vergonha e das risadas que acompanham o assunto menstruação, mas, pelo menos, é o fim da doença.
texto excelente! quero muito ver esse documentário!