Resenha do livro Banzeiro Okótó - Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, da jornalista Eliane Brum
Por Tainá Junqueira
Desestrutura
“Aquele era o mundo, o que até então conhecíamos era um desmundo.” É assim que Eliane Brum, jornalista, documentarista e escritora brasileira, definiu a Amazônia em sua primeira viagem como repórter para a terra Yanomami em Roraima em 2001. Talvez, nessa época, ainda não soubesse ou imaginasse que estar na maior floresta tropical do mundo se tornaria um ritual comum nas próximas décadas. Muito menos que teria corpo e mente completamente capturados pela floresta e seus seres e que se tornaria moradora e defensora da Amazônia. Esse percurso de cerca de 20 anos de reportagem, de relação com os moradores da floresta, com sua sua história, riquezas e destruições, é narrado por Eliane nas quase 400 páginas de seu livro Banzeiro Okótó.
Não é um livro reportagem convencional, talvez não houvesse ocasião para isso, mas uma mescla de investigação jornalística e relato pessoal, que havia de ser pessoal, com linguagem poética e ao mesmo tempo precisa, arte que Eliane faz com esmero. Brum tem outros 7 livros, sendo alguns deles A Vida que Ninguém Vê (2006), O Olho da Rua (2017) e Brasil, construtor de Ruína (2019). Ao longo de sua trajetória de mais de 35 anos, passou por importantes jornais e revistas como Época, El País, The Guardian, entre outros. Brum é a jornalista brasileira mais premiada da história. O prêmio Maria Moors Cabot da Universidade de Columbia, dos mais importantes para o jornalismo mundial, é um de seus 40 prêmios recebidos. O Banzeiro Okoto venceu o Prêmio Vladimir Herzog de melhor Livro-Reportagem em 2022.
Apesar de fugir do texto jornalístico na obra, segue com o olhar aguçado para o que precisa ser dito, para escolher as palavras certas capazes de definir e descrever sobre o ainda desconhecido mundo de atravessamentos que a Amazônia causa no finito e minúsculo corpo humano. Banzeiro é como o povo do Xingu chama o território de brabeza do rio. É onde com sorte se pode passar, com azar não. Brum usa o banzeiro não apenas como título de seu livro, que também vai marcar a travessia do leitor durante suas páginas, mas como definição do que sentiu, viu, ouviu e viveu ao se relacionar com as pessoas, os seres, o rio, a realidade devastadora da floresta. Banzeiro é aquele redemoinho do rio que te leva para baixo, para a profundeza das águas doces que cortam a terra. Esse banzeiro atravessa o corpo de quem se propõe a sentir a Amazônia. “Estar na Amazônia é sempre uma experiência do corpo”, escreve. Já okótó vem do iorubá, significa caracol, “uma concha cônica que contém uma história ossificada que se move em espiral. A cada revolução amplia-se mais e mais até se converter numa circunferência aberta para o infinito”. Assim, são as transformações em formato espiralar que atinge e afeta todo o ser ao vivenciar a Amazônia. É essa transformação que Eliane conta aos detalhes em seu livro e propõe, como título da obra e como objetivo. “Amazônia centro do mundo é banzeiro em transfiguração para okoto.”
Para Brum, é impossível conhecer lugares e pessoas apenas pela observação e escuta, é preciso se entregar a uma experiência que envolve todos os seus sentidos. Mas na Amazônia não é preciso essa entrega intencional, ela ocorre sem pedir licença, toca cada célula de seu corpo, causa afetos de várias naturezas e te envolve como a chuva que cai sobre o leito de um rio e passa a ser correnteza. “A Amazônia não é um lugar pra onde vamos carregando nosso corpo, esse somatório de bactérias, células e subjetividades que somos. Não é assim. A Amazônia salta para dentro da gente como num bote de sucuri, estrangula a espinha dorsal do nosso pensamento e nos mistura à medula do planeta.”
A Amazônia nos desfaz e refaz, nos deforma e reforma, nos destroi e reconstroi. Os brancos, ocidentais, da sociedade civilizada, dita moderna, da ordem e progresso, ao adentrar a Amazônia é desestruturado. Como se todas as verdades e crenças se afogassem no Rio Negro e outras possibilidades de mundo e vida se concretizasse. A Amazônia desestrutura. Como os sons dos animais questionassem nossa estrutura, nossas crenças e avisasse em grito sobre a nossa ignorância. “O corpo e a mente, estes apartados pelos muros da filosofia ocidental, voltam a se juntar, a se misturar. Ou melhor, deixam de existir como categorias distintas. É um acontecimento.” É impossível vivenciar a Amazônia pelo intelectual, buscando compreender a floresta, os seres, a terra de forma apenas racional. Brum narra ao longo de todo o livro os atravessamentos, transformações, os processos de desestruturas que passa enquanto corpo, esse é o banzeiro, é o que ela chama de amazonizar-se. “O que nos tornamos não tem nome. Não porque não tenha, mas porque não conhecemos a sua língua.”
Ao se entregar à Amazônia, ao trabalho de ouvir aquela terra, suas gentes, Brum passou a sentir também suas dores. A beira do ponto de não retorno, a floresta sangra e chora há décadas em constante desmatamento e exploração, em um sistema complexo e cruel de dominação, poder e controle de terras. Os bastidores e cotidiano da violência que tomaram a Amazônia nas últimas décadas, transformando-a em terra sem lei, são destrinchados no livro que narra episódios reais de assassinatos, fugas e esquemas explícitos de grilagem.“A destruição da amazônia tornou-se para mim uma questão pessoal, passei a compreender a corrosão da floresta como a corrosão do meu próprio corpo, e não num sentido apenas intelectual. Ou retórico. Passei a me entender como floresta.” É nesse sentido que Eliane vai denominar as pessoas que vivem na floresta, sejam indígenas, quilombolas ou beiradeiros (conhecidos como ribeirinhos) como povos-floresta. Para eles o rio e a floresta são casa, medicina, espiritualidade. Quando uma árvore é cortada é como se a dor fosse física, é como se cortassem um braço ou uma perna. Quando um rio é barrado para a construção de uma hidrelétrica é como se barragem o sangue que corre em suas veias.
As ruínas de Belo Monte
A Amazônia passou a ser ocupada definitivamente pelos brancos durante a ditadura militar. A grande selva fechada no norte esquecido do país era vista como terra sem dono, como mata virgem que precisava ser ‘desvirginada’, dominada, explorada, adestrada. Palavras bastante similares às violências sofridas por mulheres, reflexo de uma sociedade baseada na dominação do homem branco e na obtenção de posse: do corpo feminino e de terras. Passaram a estuprar a floresta. Não à toa, Eliane relaciona as opressões contra as minorias, como o racismo, o machismo e a homofobia, à exploração que fazem na floresta. Todas as violências apontam para uma mesma lógica que estrutura o Brasil. “Ser mulher é ser Xingu violentado por Belo Monte”, diz. Assim, lutar contra as opressões de gênero, classe e raça é a mesma luta para manter a floresta de pé.
O grande slogan da ditadura militar era “Amazônia, terra sem homens para homens sem terra”. Ou seja, não apenas não consideravam os povos originários que ali viviam, e vivem há séculos, como seres humanos, como estava dada a largada da exploração desenfreada da Amazônia. Na lógica desenvolvimentista, o projeto de ligar o norte com o centro do país inaugurou a Transamazônica, estrada responsável por derrubar considerável área de floresta, retirar povos originários e matar milhares de animais. A grande rodovia foi um corte profundo na pele daquela terra que mudaria para sempre sua geografia e política. Como Brum bem explica: “A exploração feita pelos brancos em nome do progresso é uma operação política de apagamento de tudo o que existiu antes de esmagarem a vida dos trópicos com suas botas. Os brancos têm a aborrecida obsessão de acreditar que todas as histórias começam com a sua chegada. Em geral, o que acontece é que as histórias terminam embaixo se suas botas, de suas motosserras e de suas armas”.
Dessa mesma forma, nesse século, a ideia do progresso e desenvolvimentismo segue viva inclusive por partidos sociais de esquerda. De um projeto feito na década de 70, a hidrelétrica de Belo Monte começou a ser construída no rio Xingu, em Vitória do Xingu (PA) em 2011, durante o governo Dilma (PT). Para a obra, uma barragem megalômana seria construída no rio, que, dentre tantos impactos socioambientais, anunciados por ambientalistas na época, inundariam parte da floresta fazendo desaparecer ilhas do Xingu onde moravam beiradeiros. Para eles, viver no Xingu era viver livre. Poder pescar, plantar, colher seu alimento, deixar as crianças crescerem soltas, ter pouco e viver com muito.
A arrogância branca de acreditar que seu modo de vida é o único possível e seu progresso benéfico, destroi com crueldade toda outra forma de vida e de ver o mundo, o rio, os animais e a floresta. Deixaram pescadores sem rio, agricultores sem terra, crianças condenadas a crescerem sem raízes. “Humanes precisam de raízes tanto quanto as árvores. Sem elas, morrem cedo. Mesmo quando é morte morrida é morte matada, afirma a autora.” Para construir a barragem de Belo Monte, a Norte Energia, construtora da hidrelétrica, avaliou que as ilhas do Xingu não continham construções, já que para eles casas de madeira e palha não são casas. Fizeram as famílias que ali viviam assinarem um termo de consentimento mesmo sendo analfabetas. Era atirar a palavra escrita contra povos sem letra.
“Belo Monte é uma construção de ruínas. O Brasil constroi ruínas. O Brasil constroi ruínas em dimensões continentais”, escreve Eliane. O Brasil teve inícios em fins. Se construiu sobre escombros e ossos. O Brasil se ergueu sobre restos de florestas, animais, de povos, de gente. Belo Monte matou floresta, animais, parte do rio e arrancou pessoas de sua própria identidade, algo como matar por dentro e ainda deixar existir. Dessa forma, lançaram os povos floresta, agora deflorestados, nas periferias de Altamira, transformando beiradeiros, de uma cultura e forma de viver, em pobres comuns produzidos pelo sistema. “Ao empregar o genérico pobre, deleta-se a origem da pessoa e também o processo que a levou àquela condição. Já “deflorestada” é quem veio de um lugar, a floresta, e sofreu um processo um processo de arrancamento” de suas raízes, de seu mundo, de seu modo de vida. Não são pobres, são empobrecidos, despidos de sua identidade, atirados à margem de um mundo que não é o deles, largados na periferia da cidade mais violenta do Brasil. Eram ricos, de alimento, cultura, liberdade, forma de ser, tradições, costumes, saberes. De repente eram pobres por não ter dinheiro em um mundo onde é ele que manda.
Foi dessa forma que Altamira (PA) foi construída: sob as ruínas do Belo Monstro, como costumam chamar a hidrelétrica. “Altamira é uma cidade construída sobre vários cemitérios. A cidade se move pela destruição da floresta”. O maior município em extensão do Brasil, com cerca de 120 mil habitantes, é a cidade mais violenta do país, e Belo Monte é grande responsável por tanta violência. “Altamira é uma terra de amputados. (...) As pessoas vão perdendo território, identidade e pedaços do corpo pelas ruas.” A partir desse cenário, no embate de povos deflorestados vivendo nas periferias em contradição aos grandes fazendeiros da região, Altamira virou uma terra sem lei. Mais ou menos dessa forma, toda a Amazônia tocada pelos brancos foi construída pela violência e pela injustiça. Foi onde mataram Bruno e Dom.
Entender a cadeia de produção de desigualdade, de violência contra os povos floresta, os crimes ligados a garimpo, desmatamento, grilagem de terra e desmatamento é lançar luz intensa sobre a história e relação desse lugar. Apenas se dispondo a olhar, sentir e compreender as teias complexas da Amazônia é que será possível combater a guerra não anunciada que corre solta pelos meandros dos rios. E para isso é preciso compreender a Amazônia como Centro do Mundo.
A Amazônia no centro do mundo
O movimento sócio-político denominado Amazônia Centro do Mundo vai no sentido não apenas de compreender a importância descomunal da floresta no sentido de combate a crise climática, na preservação da biodiversidade e na memória dos povos floresta, mas de questionar mais uma vez a estrutura sobre o que é centro e o é periferia, essa é uma disputa política fundamental. Ao pensar no Brasil, a região norte sempre foi periferia, resto, o outro, irrelevante. Mas, sob outra cosmovisão é, e sempre foi centro. Eliane Brum defende um deslocamento real e definitivo para o centro da amazônia e da amazônia como centro. “Não é mera firula semântica, mas sim uma mudança radical de olhar e de conceito a partir do qual se compreende o mundo e se determina como enfrentar o colapso climático.”
O centro mais importante de um mundo em crise climática não é Nova York ou Pequim, e sim os lugares que definem nossa sobrevivência: oceanos e florestas. A última e maior floresta tropical, responsável pela formação de chuvas de todo o Brasil e controle de carbono, deveria ser a resposta de combate às mudanças do clima. “A Amazônia é um dos centros onde a guerra climática está sendo travada - mas ainda como massacre, dada a desproporção das forças envolvidas”, diz a autora, evidenciando mais uma vez o abandono e a violência que domina a região. No entanto, essa periferia é centro de resistência. O centro da luta pela vida humana e não humana na terra deve ser a Amazônia. Nesse sentido, o deslocamento que Brum defende no livro tem duas premissas: o deslocamento de centralidades também nos campos de raça, sexo e gênero e especies - a luta pela defesa da floresta é a mesma luta por igualdade racial, de gênero, e pelo reconhecimento de outras espécies. O Homem como centro não é mais sustentável. E a aliança entre povos-floresta e povos-deflorestados. Devemos defender também a soberania da identidade e retorno dos povos floresta a suas raízes.
Assim, “a batalha pela Amazônia, o reflorestamento de si, a amazonização do mundo é um movimento para derrubar a hegemonia branca que vem dominando o planeta nos últimos milênios - e exterminando, silenciando ou empurrando para as periferias todas as outras formas de se perceber no mundo, para o mundo e com o mundo. A batalha pela Amazônia é pelo reflorestamento dos mundos, os de fora e os de dentro”. O deslocamento para a amazônia centro do mundo deve ser real, literal, mas também na mudança no modo de pensar e de pensar as humanidades, na cosmologia do pensamento, questionando o que centraliza nossa convicções e o que sempre foi deixado às margens e buscando novas linguagens, formas de se comunicar, de se estruturar e enxergar o mundo.
A batalha pela Amazônia é pelo reflorestamento dos mundos, os de fora e os de dentro
Sumaúma: um novo jornalismo
É nesse deslocamento radical em todos os sentidos que Brum, não apenas foi morar em Altamira, em 2017, depois de quase 20 anos frequentando e escrevendo sobre a Amazônia, mas propõe uma outra forma de pensar, falar, escrever e fazer jornalismo. Ao longo de toda a obra, ela questiona a própria escrita, nossas palavras, nossas formas de estruturar textos, nossa sintaxe, e cria novos termos, conceitos, formas de entender o mundo. A começar pelo título do livro. Banzeiro Okótó. Junção de palavras de duas origens diferentes, de conceitos desconhecidos, jogados à margem. Humanes, povos floresta, deflorestados, espécies mais que humanes, beiradeiros são apenas alguns exemplos das novas palavras criadas para poder dizer o que realmente são. Outro exemplo é desmatar, “um dos verbos mais tortos da língua portuguesa. Ele diz o contrário do que faz”.
A escrita é excludente. Apesar do que se pensa, não é a única forma de se fazer literatura e não abrange todas as formas de viver e se comunicar. A língua também é uma forma de exploração e violação. A língua dos brancos sobre as línguas dos indígenas é uma arma de destruição. Ao escolher o português como soberano em detrimento a milhares de línguas originárias que não pertencem ao papel, que dependem de pessoas vivas falando para resistir, é fazer morrer não apenas a língua mas todos que ela falavam. “A escrita é uma arma para oprimir, subjulgar, escravizar e destruir todas as outras pessoas que narram a vida pela oralidade, pelo corpo do rio, das árvores, das pedras, de mapas feitos de outra matéria”, acredita a jornalista.
Eliane passa a questionar a própria escrita, não abandonando o livro na metade nem deixando de fazer jornalismo, mas marcando o que as palavras escritas no papel não são capazes de dizer, tudo o que falta em texto gramaticalmente bem escrito, buscando uma outra forma de dizer tudo aquilo que sentia. “Eu estava descolonizando meu jornalismo também na escrita, além do olhar.” Com isso recorre à poesia, para expressar aquilo que foge ao lide. Brum foi capaz de poetizar o jornalismo escutando os sobreviventes de Belo Monte, os seres da floresta, os beiradeiros e povos indígenas. Segundo ela, foi preciso “transgredir e atravessar as fronteiras do território circunscrito, que é o jornalismo, para começar a inventar algo que não existia e que jamais poderia ser inventado com uma voz só. Havia de ser como tecida voz a voz”. O jornalismo é uma invenção de brancos. A língua usada hoje para se fazer jornalismo é uma língua de brancos. A estrutura do texto, a forma de pensar, as técnicas de reportagem. É preciso repensar o jornalismo, as práticas e a linguagem. Brum propõe o conceito de translíngue, que enxerga a linguagem como corpo de transformação, de mudança de referência, de sentido e de percepção de mundo.
Diante da crise climática, da sexta extinção em massa, era preciso criar algo diferente. Brum vai propor um novo jornalismo. Criado em 2019, o Sumaúma, jornalismo do centro do mundo, busca outro olhar sobre o próprio fazer jornalístico e sobre que história contar, o que precisa ser dito e a quem é preciso ouvir. Todos os padrões, parâmetros, técnicas e regras são questionados, pois falar da Amazônia não cabe na pirâmide invertida. Sumaúma é uma das maiores árvores da floresta amazônica, capaz de unir céu e terra. Sumaúma é a busca por uma nova forma de ouvir e falar da Amazônia. Segundo o manifesto da rede Sumaúma: “Queremos contar histórias que moram aqui, na Amazônia, e contar histórias que acontecem em outras partes do planeta a partir da floresta e da perspectiva de seus vários povos, assim como da melhor ciência do clima e da Terra. Acreditamos no poder das histórias contadas, no poder do jornalismo”.
A linha editorial é colocar a floresta, sua natureza e seus povos, em primeiro lugar, antes do mercado. É um jornalismo de guerra, que cobre na linha de frente a guerra contra a terra, os rios, a floresta, contra seus povos, contra os animais, contra o planeta. Sumaúma tem feito coberturas complexas, densas e sensíveis sobre realidades ainda desconhecidas. Falar de grupos indígenas isolados, os esquemas de grilagem e tráfico de madeira da Amazônia, por exemplo, parece não passar no critério de noticiabilidade de jornais comuns. A luta por direitos de líderes indígenas em Brasília, a história de beiradeiros que perderam suas terras, a invasão de empresas em terras indígenas, a impunidade de crimes na Amazônia, são apenas alguns exemplos de reportagens feitas pela equipe Sumaúma. Mas, sobretudo, em um momento em que os efeitos da crise climática borbulham no planeta inteiro, discutir suas causas e consequências é discutir sobre a sobrevivência da espécie humana e o jornalismo precisa colocar a questão no centro de suas editorias e agendas.
Ao contar histórias, os jornalistas não podem se bastar na escuta feita pelo ouvido, mas por todos os sentidos, inclusive a intuição. O jornalismo que Brum propõe é de “narrar uma outra experiência de existir atravessada pelo nosso corpo - sempre atravessada pelo nosso corpo”. Assim como o banzeiro atravessou Brum, as histórias, as palavras, os afetos, os sons, sensações devem atravessar os jornalistas. Cada história deve ser uma experiência do corpo, que passe pela subjetividade e humanidade de cada repórter e cada “escutador”. No jornalismo do fim do mundo já não cabe a objetividade, já que não cabe entender a realidade da amazônia de maneira lógica e racional numa sintaxe bem encadeada, é preciso sentir em cada célula a emergência climática e ambiental. Para isso o atravessamento também deve ser do jornalismo: “Espero mesmo que devorem o jornalismo, o que seria a melhor notícia”.
Assim como capturou Brum, o banzeiro parece emergir nas páginas do livro através das palavras tão bem sentidas e escolhidas e nos atravessar. A poesia que pede para existir ao contar as histórias inefáveis dos humanos e mais que humanos da amazônia nos captura. è quase como um chamado para os futuros jornalistas a aprender a ouvir a floresta. Fazer do jornalismo um meio de dar voz a quem é barrado, como Belo Monte barrou o Xingu. Poder colocar nas palavras, poéticas, a voz do rio, dos animais, das florestas, dos beiradeiros e indígenas. Eliane Brum revolucionou o jornalismo brasileiro a partir de Sumaúma e convida a todos a participarem dessa revolução.
*As fotografias trazidas aqui são retiradas do próprio livro e foram feitas pelo fotojornalista Lilo Clareto, parceiro de trabalho de Eliane Brum por mais de 20 anos. Lilo faleceu em 2021 de Covid-19
Tainá consegue captar o banzeiro... eu li o livro e senti o banzeiro assim como quando visitei a Amazônia, diversas vezes. A luta pelos povos floresta, pela Amazônia, é a mãe de todas as lutas. Espero que mais pessoas leiam o livro e consigam sentir e perceber, como Tainá, o banzeiro.
Excelente texto! Tema necessário e palavras marcantes.