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Amazônia à venda: o documentário sobre os anúncios ilegais pelo Facebook

Caio Azevedo


Em fevereiro de 2021, a BBC News Brasil lançou o documentário Amazônia à venda: o mercado ilegal de áreas protegidas no Facebook, apresentado pelo jornalista João Fellet. A investigação - que originou tanto a reportagem audiovisual quanto uma escrita - revelou um cenário inédito no país: estavam sendo vendidas terras ilegais em reservas da floresta amazônica pela plataforma de anúncios do Facebook.


(Introdução do documentário / Imagem: BBC)


O fato de que os negócios corriam livremente pela internet, de acesso público, chamou a atenção do repórter sobre a impunidade dos criminosos. Anúncios que antes se desenrolavam “por debaixo dos panos”, atualmente acontecem para todos verem. Tanto é que a equipe encontrou na plataforma, vendendo lotes não regularizados, um corretor de imóveis que tem um escritório no centro de Porto Velho, capital de Rondônia, e, mesmo assim, continua trabalhando sem empecilhos. Para João Fellet, as invasões de áreas protegidas da floresta não começaram com o Facebook, “mas a rede social faz com que invasores de terras como essas tenham mais oportunidades de fazer negócios”.


A reportagem não é somente brilhante pelo conteúdo, mas também pelo processo jornalístico: um representante da BBC, cuja identidade não é revelada no documentário, se encontrou com anunciantes de terras ilegais de Rondônia com uma câmera escondida, alegando ser empregado de um latifundiário de São Paulo. A tarefa era extremamente perigosa, devido aos altos índices de conflitos de terra no estado, então os funcionários do jornal monitoraram todo trajeto de Lucas - pseudônimo do infiltrado. O planejamento minucioso da investigação alerta sobre os riscos do jornalismo investigativo, em que o profissional muitas vezes tem a vida ameaçada.


A viagem a Rondônia


Como foi dito, a reportagem contou com um infiltrado negociando, presencialmente, os lotes anunciados com os invasores. Para isso, João Fellet partiu para Rondônia com o objetivo de acompanhar as investigações e até entrevistar algumas figuras. Todos os vendedores gravados por Lucas foram contatados pela BBC posteriormente para se manifestarem, mas preferiram não responder.


Segundo pesquisa de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rondônia é o sexto estado com maior número de bois, com 14,8 milhões de cabeças. Considerando sua população de 1,8 milhão de habitantes, de acordo com estimativas deste ano de 2021, encontra-se um dado: para cada rondoniense, existem aproximadamente oito gados. É por esse motivo que, desde 1980, o estado já perdeu cerca de um terço das matas amazônicas que cobriam o território.


(Vegetação de Rondônia em 1985 e 2020 / Imagem: Reprodução)


Outra questão percebida na pesquisa foi a esperança que os invasores de reservas ambientais têm na imagem de Jair Messias Bolsonaro (sem partido). Nas eleições presidenciais de 2018, 72% dos votantes de Rondônia pressionaram 17 nas urnas - número do Partido Social Liberal (PSL), pelo qual Bolsonaro se elegeu. João Fellet pôde perceber isso facilmente quando, durante visita a Ariquemes, município no interior do estado, passou por um outdoor com os dizeres “Ariquemes e o agronegócio apoiam Bolsonaro”, junto à imagem do presidente com a bandeira nacional.


Nos encontros com Lucas, os anunciantes não poupavam elogios a Jair Bolsonaro. Um dos entrevistados, que afirmou oferecer propina ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para regularizar as propriedades ilegais, comentou: “Agora o empecilho do meio ambiente com os índios, o negócio dos índios, o Bolsonaro vai passar por cima”.


O processo de invasão


As terras são invadidas por dois motivos principais: para a criação de gado ou para a atividade de madeireiros ilegais. Em ambos os casos, mesmo sem licença, os comerciantes conseguem vender os bois e as toras de madeira de maneira legal.


Para as extensas pastagens, o esquema é derrubar e queimar a floresta nativa para delimitar o terreno e, em seguida, tentar regularizar a posse por meio de técnicas como a grilagem, por exemplo, que consiste na falsificação de documentos por meio de técnicas de envelhecimento do papel. Os pesquisadores da BBC perceberam, no Facebook, que o desmatamento valoriza o valor da terra: anúncios de reservas ambientais já destruídas custavam cerca de três vezes mais do que as propriedades intocadas.

Em entrevista a João Fellet, um madeireiro, cuja identidade não foi revelada, denunciou situações precárias de trabalho. Disse que o uso das motosserras e os desabamentos são arriscados e, ainda, que até crianças são encarregadas da atividade. O empregado ainda afirmou não haver muita fiscalização na região, mesmo sendo área de reserva ambiental, o que o permite trabalhar sem grandes preocupações.


A comercialização dessa carga ilegal é simples, basta burlar a legislação. Os pecuaristas costumam vender os bois de origem clandestina a fazendas que têm documentação em dia, para que, assim, sejam registrados dentro da lei antes de chegar aos frigoríficos. Para os madeireiros, o método é o mesmo: as empresas com permissão para as derrubadas catalogam as toras ilegais como se tivessem sido extraídas legitimamente.


Invasão de terras indígenas


Os povos originários são considerados os guardiões da Amazônia, visto que os territórios demarcados resguardam grande parte da vegetação nativa. Ainda assim, são vítimas de invasões e ataques por parte dos latifundiários ao redor de todo o país. Fellet percebeu que muitas das terras anunciadas pelo Facebook, ao localizá-las no mapa, estavam dentro de terras indígenas.


(A terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau funciona como uma espécie de barreira ao desmatamento / Imagem: Captura do Google Earth)


Devido às ameaças constantes de invasão, os indígenas do povo Uru-Eu-Wau-Wau organizaram um grupo de monitoramento das fronteiras para proteção do território. Ser defensor da natureza, no entanto, não é tarefa fácil. Ari, habitante da área demarcada e integrante das expedições anti-intrusos, foi encontrado morto em 18 de abril de 2020. Um ano depois, a Polícia Civil ainda não achou os responsáveis pelo assassinato.


Parece existir certa desproporcionalidade no auxílio do Estado: enquanto órgãos veterinários entram em territórios ilegais para vacinação dos rebanhos - mesmo dentro de demarcações indígenas -, as forças de proteção aos povos originários em risco não agem com a mesma eficiência. O povo Uru-Eu-Wau-Wau delata que, se houvesse mais bases da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região, os crimes seriam menos recorrentes.


Ao fim da reportagem, são apresentadas previsões para o futuro da natureza. Caso o desmatamento siga desenfreado na Amazônia, a floresta se transformará em um “deserto verde”: perderá a capacidade de autorregulação e, aos poucos, secará por conta própria. Sobre isso, Ivaneide Bandeira Cardozo - fundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé - questiona: “O que é evolução 'pra' você? É destruir a Amazônia e o meio ambiente, a ponto de que você mesmo não tenha futuro? Em nome de uma evolução que é só destruição?”.



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