Lara Ximenes
A jornalista Daniela Arbex já escreveu cinco livros-reportagens, e Arrastados foi publicado em 2021. Com sucessos como Holocausto Brasileiro e Todo dia a mesma noite, a jornalista mais uma vez trata de tópicos incrivelmente sensíveis do Brasil. O processo de escrita começou em fevereiro de 2019 e teve que ser adaptado durante a pandemia, mas após anos complicados, podemos ter uma incrível visão sobre uma das piores tragédias humanitárias do Brasil.
(Capa do livro / Imagem: Reprodução)
A barreira B1 em Brumadinho se rompeu no início da tarde do dia 25 de janeiro de 2019. A narrativa de Daniela permite que o leitor acompanhe os funcionários da Vale desde a manhã do mesmo dia. A autora nos apresenta suas interações, planos e motivações para estar ali naquele dia, sem fazerem ideia do que estaria por vir. Conta como todos naquele dia saíram com cicatrizes e perdas mesmo tendo sobrevivido. A narrativa traz uma intimidade com a tragédia que não pode ser passada apenas por imagens na televisão.
A autora também mostra o ponto de vista de bombeiros de Brumadinho, profissionais que imediatamente tiveram que começar os socorros, mesmo com o risco de outras barragens se romperem.
“— Velho, os funcionários estão falando que a outra barragem vai romper — disse o tenente. — Você está ouvindo? Estamos indo para um negócio que a gente não sabe se vai voltar.”
A imagem, sobrevoada por helicóptero, era de quilômetros de lama cobrindo o que antes era o espaço de trabalho. A lama passou por 300 quilômetros, invadindo 17 cidades distintas. Os bombeiros que trabalhavam no dia não sabiam que, três anos depois, as buscas continuariam na cena da tragédia. Se tornou a mais longa operação de resgate da história, com mais de 4 mil bombeiros já tendo atuado no local.
Relatos chocantes também vieram de trabalhadores do IML. Os médicos-legistas ficaram chocados ao ver as imagens do rompimento da barragem. A autora comparou o estado das vítimas com o dos moradores de Pompeia, cidade encoberta pela tempestade de lava de um vulcão. Em Brumadinho, eles foram sepultados por uma camada de lama que deixaria impossível identificá-los visualmente. O minério de ferro que os soterrara era feito de metais tão pesados que impediam os raio X de atravessar os corpos. Lesões causadas nas vítimas eram piores do que as causadas por queda de avião.
Daniela ainda relata como a empresa Vale já sabia dos riscos de rompimento e até mesmo demitiu empresas que avaliavam negativamente as barragens: a tragédia era anunciada. Mais de cinco funcionários da Vale foram denunciados por homicídio qualificado.
“Tudo aconteceu conforme previsto nos Mapas de Inundação traçados pela Vale no PAEBM aprovado nove meses antes do rompimento. O documento já esclarecia que, em caso de rompimento da B1, toda a área operacional da mina seria atingida. A linha férrea Ramal Córrego do Feijão, pertencente à MRS, também. Na sequência, o povoado do Córrego do Feijão e o bairro Parque da Cachoeira submergiriam. Pelo estudo de dam break, ou seja, de ruptura hipotética, o tempo de chegada da inundação em estruturas que estivessem a menos de 2 quilômetros da barragem — os escritórios da mineradora ficavam a 1.371 metros de distância da barragem — seria de 1 minuto. A comunidade do Córrego do Feijão ficava a 2,04 quilômetros dali. A Vale sabia que não haveria tempo suficiente para fuga.”
Com prefácio escrito por Caetano Veloso, Arrastados choca, emociona e denuncia como o pensamento de lucro da mineradora matou duzentas e setenta e duas pessoas. A autora Daniela Arbex tem mais de vinte prêmios nacionais e internacionais no currículo e diz querer ajudar a escrever a memória coletiva do nosso país. Seus livros: Holocausto Brasileiro e Todo dia a mesma noite já foram tema de reportagens aqui no Pitacos!.
O livro pode ser comprado na editora Intrínseca, por aqui.
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