Daniel Fernandes
(Imagem: Channel 4)
O que você faria quando o futuro de uma nação inteira fosse colocado em suas mãos? Dominic Cummings, um dos maiores estrategistas políticos da Europa, teve que lidar com esse peso nas costas quando liderou a campanha “vote leave” (vote pela saída) durante o polêmico Brexit, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, que acabou ocorrendo em janeiro de 2020. Ele conseguiu a vitória, mas foi acusado de utilizar diversos meios ilegais na tentativa de convencer o público a votar a favor de sua causa no referendo.
Assim, o acontecimento foi retratado em um filme, intitulado “Brexit: The Uncivil War”, partindo da perspectiva do próprio Cummings, interpretado por Benedict Cumberbatch. O longa é baseado em depoimentos reais dos envolvidos e apresenta alguns elementos fictícios, mas mostra todos os bastidores da campanha, desde a relação conturbada com políticos até a manipulação de dados e propagandas nas redes sociais.
(Dominic Cummings, chefe de campanha do "vote leave"| Imagem: Channel 4)
O filme começa logo após a decisão do governo britânico em abrir o referendo do Brexit, graças a um grupo de pessoas responsáveis por instigar a população e criar um sentimento de insegurança no Reino Unido em relação à permanência na União Europeia. Agora, esse grupo, a favor da saída, começa a busca por um líder para a campanha e decide dar o cargo para Dominic Cummings, conhecido por trabalhar como consultor de políticos conservadores importantes. Em um primeiro momento, ele fica receoso com a responsabilidade, mas decide aceitar com a condição de receber autonomia total.
A primeira fase é marcada pelas desavenças de Cummings com os partidos conservadores que oferecem apoio financeiro para o “vote leave” (slogan criado pelo próprio chefe de campanha). Apesar de já ter trabalhado para alguns, o estrategista adota uma visão cética em relação à participação dos políticos na campanha, acreditando que só iriam “falar besteira” e atrapalhar. Principalmente o Ukip, um dos partidos entusiastas do Brexit, cujos líderes se irritam profundamente com Cummings que, por sua vez, também sofre com a pressão dos outros membros da equipe, que consideram o dinheiro essencial.
Dominic Cummings começa a trabalhar, mas de uma maneira inusitada: ele resolve entrar em bares para entrevistar o público sobre questões do Reino Unido. Um dos pontos mais questionados é a Imigração, que seria utilizada mais tarde como trunfo na divulgação de propagandas (não necessariamente verdadeiras). A estratégia é clara e revelada em seguida: tornar a União Europeia um símbolo de todas as coisas ruins que estavam ocorrendo no país.
(Imagem: Channel 4)
O estrategista defende desde o início a busca pelo eleitorado a partir de meios digitais. Contudo, os políticos acreditam que o apoio dos parlamentares deveria ser o foco. Nesse sentido, posteriormente, Cummings rejeita mais um patrocínio milionário do Ukip, o que causa outro mal-estar dentro da equipe. Uma reunião é marcada com o objetivo de retirá-lo do cargo. Contudo, com um poder de persuasão impressionante, ele mantém sua exigência de autonomia total e, ainda, a demissão do presidente do comitê.
Assim, com a grande vitória, Cummings inicia o seu plano baseado na divulgação de notícias em redes sociais que façam sua causa ganhar mais votos. Para isso, ele fecha um acordo com uma empresa de análise de dados, que utiliza um mecanismo com o objetivo de buscar uma base de três milhões de eleitores “fantasmas”, que normalmente não votam e, por isso, costumam ser esquecidos nas campanhas.
No início da campanha oficial, o filme deixa bem claro como a grande maioria dos apoiadores faz parte de grupos conservadores. Apesar das brigas com Cummings, os políticos decidem ajudar por conta própria, mas o estrategista consegue separá-los da frente principal. O slogan principal adotado se chama “take back control” (tomar de volta o controle), para criar o sentimento de que, antes da União Europeia, as coisas estavam melhores.
Nessa fase, o filme mostra como a equipe de Dominic Cummings tentou manipular informações a todo custo, de modo que a permanência do Reino Unido na União Europeia se tornasse uma ideia arriscada para a economia. Em um momento, por exemplo, eles buscam o valor mais alto possível, que possa ter alguma explicação minimamente plausível, para o custo semanal do país com a União. Além disso, o número da possível entrada de imigrantes turcos é supervalorizado e chega a ser questionado pela mídia, mas passa despercebido. Aos poucos, o estrategista consegue convencer uma parcela cada vez maior da população a seguir o “vote leave”.
(Dominic acompanhado de Boris Johnson e outro apoiador, na frente do polêmico ônibus da campanha.| Imagem: Channel 4)
A propaganda mais controversa da campanha se deu por um gigante ônibus de dois andares, alugado pela equipe de Cummings e que percorreu todo o país. Nele, havia uma frase que dizia, sem qualquer prova concreta, como o Reino Unido iria economizar 350 milhões de libras por semana, podendo usar o dinheiro para financiar o sistema de saúde. Mesmo parecendo algo absurdo, a fake news ganhou força entre os eleitores do “vote leave”.
A estratégia da empresa contratada por Cummings se baseou em um software que junta dados pessoais do Facebook e Twitter com dados eleitorais em tempo real, para coletar informações de eleitores a partir de propagandas falsas. Nesse momento, a questão da privacidade das pessoas é citada e chega a causar controvérsias na equipe, mas o plano é mantido.
O filme também retrata o momento em que Boris Johnson, na época prefeito de Londres, conheceu Dominic e decidiu apoiar publicamente o voto pela saída da União Europeia. A campanha continua dando certo e convence os indecisos (aqueles que não costumam votar) a apoiar a causa.
Faltando poucos dias para o referendo, as campanhas adotam um clima cada vez mais tenso, com mentiras apontadas pelos dois lados. Em um incidente, uma parlamentar a favor da permanência, chamada Jo Cox, é baleada e não resiste aos ferimentos. Segundo testemunhas, um homem atacou ela com uma faca antes do disparo e teria gritado "Britain first" (Reino Unido em primeiro lugar), fazendo referência a um partido de extrema-direita.
Em um momento de reflexão pessoal, o líder da campanha pela permanência na UE entende como, na verdade, eles perderam a disputa há anos, dizendo como todos no Reino Unido sempre culpavam a Europa e os imigrantes quando era conveniente. Ele chega a se encontrar com Cummings e afirma que o rival instigou a população a se rebelar, mas o estrategista rebate afirmando que apenas deu voz ao público. Pouco depois, a votação acontece, e o “vote leave” vence por uma pequena margem.
(Dominic Cummings no julgamento.| Imagem: Channel 4)
No final do longa, Dominic Cummings aparece em um julgamento sobre as estratégias utilizadas na campanha de anos atrás. Abatido, ele admite que as coisas não ocorreram como imaginava, mas culpa os políticos e afirma que o sistema do ocidente é falho como um todo.
A todo momento, Cummings e sua equipe apenas se preocuparam em buscar seus fins sem se importar com os meios. Logo, se utilizaram da manipulação de informações na internet para criar a imagem de um monstro em volta da União Europeia, criando incerteza e medo na população, convencida de que o Reino Unido precisava se libertar. Assim como no Brasil, onde o atual governo se beneficiou de fake news para chegar ao poder e mantê-lo, o filme mostra como o fluxo de notícias na mídia pode ser forte a ponto de decidir o rumo de uma nação inteira.