Luiza Griesang
Assim como muitos filmes de comédia romântica, Como Perder Um Homem em Dez Dias (2003) nos faz rir, chorar e torcer pelo casal principal. Contudo, o filme dirigido pelo americano Donald Petrie vai além e também traz uma análise sobre uma questão que não é comum de se observar em outros longas do gênero: a dificuldade de conciliar a vida pessoal e o trabalho.
(Poster do filme “Como Perder um Homem em 10 dias”/ Imagem: Reprodução)
O filme se passa na cidade de Nova York, no início dos anos 2000, e nos apresenta Andie Anderson (Kate Hudson), uma jovem jornalista que trabalha na ‘Composure’, uma grande revista voltada para o público feminino. Entre matérias sobre sapatos, bolsas, maquiagens e outras coisas fúteis, o que a jovem jornalista realmente deseja é ter a liberdade de escrever sobre o que ela quiser, como política e economia; no entanto, sua chefe não permite. Após uma de suas melhores amigas, Michelle (Kathryn Hahn), aparecer no trabalho reclamando sobre uma de suas decepções amorosas, a editora-chefe da revista tem uma ideia: se Andie escrever uma matéria sobre como perder um homem em dez dias, ela conseguirá o que tanto deseja e poderá escrever sobre qualquer tema em sua coluna. Para isso, no entanto, a personagem principal deverá por sua tese à prova e realmente conhecer um homem e fazer de tudo para que ele desista de ficar com ela em até dez dias.
É aí que a situação fica complicada, pois aparentemente Andie não sabia do famoso ditado “vida pessoal e trabalho não se misturam” - ou achou que valeria a pena ignorá-lo, para alcançar seu objetivo. Responsável pela coluna “Como…”, talvez a jornalista estivesse acostumada a conectar as duas coisas, afinal, “como escolher o melhor sapato para uma festa” não parece algo exatamente maléfico de se testar. No entanto, quando diz respeito ao amor, o cenário muda… Para o azar de Andie, o homem escolhido por ela para testar sua teoria foi Benjamin Barry (Matthew McConaughey), um publicitário mulherengo que também se envolveu em uma aposta com seu chefe para ganhar uma promoção: ele precisa fazer com que uma mulher se apaixone por ele em dez dias e levá-la para a festa da empresa que aconteceria ao fim deste período, para comprovar que entende sobre o universo feminino e está pronto para realizar a campanha de uma fabricante de jóias. Obviamente, o antagonismo dos objetivos dos dois dá início a uma série de confusões - e cenas incríveis.
Focada em sua missão, Andie tenta reproduzir os principais erros que as mulheres cometem no início de seus relacionamentos, condenando-os ao fracasso, se tornando extremamente carente e pegajosa afetivamente, na tentativa de fazer com que Ben desista do namoro. Inicialmente a jornalista faz apenas pequenas maldades, como fingir que não come carne após o namorado passar a tarde preparando um jantar para ela. Porém, com o passar do tempo, e com Ben insistindo em manter o relacionamento, Andie vai se tornando mais cruel, encontrando sempre novas formas de enlouquecer o rapaz. Ela não respeita o tempo dele com os amigos e fala com seus familiares antes mesmo dele os apresentar. A situação torna-se difícil para o publicitário, que só não desiste da relação, porque, afinal de contas, ele também precisa ganhar uma aposta.
(Andie, Ben e o cachorro que a jornalista deu para ele/ Imagem: Reprodução)
Apesar das loucuras de Andie, os dois acabam se apaixonando e a jornalista pede à sua chefe para não entregar a matéria, porque seu envolvimento amoroso poderia comprometê-la. Ao ter o pedido recusado, Andie termina o trabalho, pois seu sonho de ter a liberdade de escrita fala mais alto. No entanto, mesmo após sacrificar sua vida pessoal para terminar o projeto, ela não consegue seu objetivo e sua chefe a manda continuar escrevendo sobre sapatos, bolsas, maquiagens e outras coisas fúteis. Infelizmente, essa é uma realidade que está longe de estar presente somente nas telas: o abuso por parte dos empregadores está presente em diversas profissões e o jornalismo não escapa disso.
Assim como a personagem principal do filme, muitas pessoas colocam de lado a vida pessoal em prol do trabalho, principalmente na profissão jornalística, em um cenário de avanços tecnológicos, em que o fluxo de informações é constante e há notícias 24h por dia. Com isso, muitas vezes os limites do trabalho acabam não ficando bem definidos e é comum ver funcionários passando do horário de trabalho nas redações - sem ganhar hora extra -, tendo que abdicar de momentos com suas famílias para estar sempre disponíveis para seus chefes. Além disso, apesar de muitos verem o jornalista como alguém que escreve sobre o que quer e emite suas opiniões, na maioria dos casos não há essa liberdade e o profissional é tolhido, assim como acontece com Andie. E tudo isso, para no final das contas, não ter o esforço reconhecido, como também é retratado na história da personagem principal.
Voltando ao filme, no décimo dia do envolvimento amoroso dos dois personagens principais, acontece a festa da empresa de Ben, onde ficam sabendo das apostas um do outro. Embora o final seja bastante previsível, podem ficar tranquilos que eu não vou dar spoilers. O ponto aqui é que o filme é uma importante lição do que não fazer para todos que desejam ingressar ou até mesmo já ingressaram na carreira jornalística. Vale a pena assistir e se colocar no lugar de Andie, disposta a perder tudo, até o homem que ama, por um emprego - e no final ver seu esforço indo por água abaixo. Apesar de ser do início dos anos 2000, o longa se mostra atual e necessário, principalmente em uma época quando o assunto sobre saúde mental nunca foi tão discutido. É preciso ter cuidado com o quanto estamos dispostos a desistir da nossa vida pessoal e das coisas que nós amamos, apenas por um trabalho.
Filme disponível na Netflix e na Amazon Prime Video.