Juliana Sorrenti
(Pôster do filme / Imagem: Reprodução)
Dos romances “água com açúcar” aos novos clássicos cult, os anos 90 foram marcados pela presença da indústria cinematográfica norte-americana na vida cultural de milhões de crianças e adolescentes. Alcançando sucessos de grandes proporções, as combinações entre dois ou mais gêneros conquistaram o público. Agora, durante a breve duração de um filme, as reações do espectador podem transitar entre os extremos, de gargalhadas a olhos cheios d’água.
É nesse contexto que O Jornal (1994) está inserido. Dirigido por Ron Howard – vencedor do Oscar de Melhor Diretor por Uma Mente Brilhante – o longa-metragem mistura elementos do drama e, sobretudo, da comédia na construção de uma versão satírica da profissão do jornalista, repleta de confusão e piadas de baixo calão. A trama principal gira em torno de Henry Hackett (Michael Keaton), um dos editores do New York Sun (um jornal local sensacionalista), que precisa solucionar um dilema pessoal em um único dia: a paixão pelo caótico trabalho ou uma vida tranquila com um emprego estável em prol de tempo de qualidade com a esposa e o futuro filho? Logo nos primeiros minutos, o programa de rádio prenuncia: “Todo o seu mundo pode mudar em 24 horas”.
Em meio a grande decisão, há outra escolha importante nas mãos do protagonista: a primeira página do jornal. Para nós, mais jovens, que vivemos a decadência do impresso, é preciso lembrar dos anos dourados desse jornalismo para entender a magnitude do impacto da manchete principal. Enquanto Alicia Clark (Glenn Rose), rival e responsável pela manutenção financeira do jornal, apoia algo mais tradicional, Hackett quer ir atrás de um furo jornalístico. Duvidando da veracidade de fatos apresentados pela polícia, que até os dias de hoje incrimina inocentes e ignora provas contundentes, ele quer provar que dois adolescentes negros não são os culpados de um duplo assassinato. Nessa competição, quem define as regras é Bernie White (Robert Duvall), o editor-chefe. Para ganhar, o jornalista precisa achar imagens e uma fonte confiável até o fim do dia.
Trazendo questões raciais como plano de fundo, com a apuração de um crime supostamente motivado por retaliação à morte de um jovem negro, o filme narra o tortuoso caminho de Hackett e Michael McDougal (Randy Quaid), um repórter investigativo, em busca pela verdade. Com acidez, o diretor aborda temáticas relevantes, como a ética jornalística, o puxa-saquismo da profissão e a situação da mulher no ambiente de trabalho, de forma leve e descontraída. Uma das perguntas que guia o roteiro é o quão longe um jornalista pode ir pela notícia. Workaholic descompromissado com a família, o protagonista arquiteta situações para atrasar a adversária e obter informações sigilosas de outros veículos, atitudes que ultrapassam o mau-caratismo. Como ele mesmo diz: “Bem, Paul, você sabia que eu era jornalista”. De forma implícita, o filme leva o espectador a confrontar a própria moralidade. A máxima “Os fins justificam os meios” é utilizada para relevar e, até mesmo, defender a postura disruptiva de Hackett. Diante da voracidade do jornalista e da performance sarcástica do ator, somos capazes de desregular a bússola ética que nos guia e torcer por sua vitória.
Outro ponto de destaque é a redação do New York Sun. A caoticidade do ambiente é representada tanto no espaço físico, com corredores estreitos, arquivos e papéis empilhados em mesas pequenas e o som persistente do telefone tocando, quanto no relacionamento tumultuado entre os colegas de trabalho, que se comunicam com gritos e ofensas. Em momentos de confusão, a câmera torna-se instável – de modo similar aos sitcoms, como The Office – e close ups mostram as faces atônitas e os cenhos franzidos dos personagens, escolhas fotográficas que provocam ainda mais humor nas cenas. Para manter a sanidade e a energia nesse ritmo frenético, certos vícios são necessários. Enquanto White encontra consolo no cigarro e nas bebidas alcoólicas, Hackett não consegue ficar longe de uma lata de Coca-Cola.
Apesar de parecer distante do sonho profissional da maioria das pessoas, o filme mostra que a paixão pelo dia a dia movimentado, ainda que repleto de situações estressantes, é inerente ao lado jornalista que todos nós temos. Após uma situação inusitada, Martha Hackett (Marisa Tomei), esposa do protagonista e repórter do Sun temporariamente afastada pela gravidez, suspira ao dizer: “Deus! Eu senti falta desse lugar”.
Ainda que apresente uma imagem satírica, O Jornal é uma boa opção para aqueles que querem conhecer mais sobre as rotinas produtivas. Em momentos mais intensos, também desconstrói estereótipos, desvinculando o popular das fake news e mostrando que há compromisso com a verdade em jornais menores. Na contramão da maioria dos títulos sobre jornalismo, o filme abusa do humor, trazendo um pouco de entretenimento para uma temática – e vale lembrar, profissão – tão marcada pela seriedade.
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