Damon Winter e Charlie Savage nos levam a uma viagem pela história da infame cadeia e por suas celas, hoje, abandonadas.
Camila Sant’Anna
Não acredito que haja uma pessoa no mundo que não saiba o que Guantánamo é e o que ela representa. Assim, quando Charlie Savage se junta a Damon Winter para produzir a reportagem Camp X-Ray: A Ghost Prison sobre esse tema tão “batido”, é impressionante que o resultado tenha sido um ponto fora da curva. Foi necessária uma junção de elementos para criar essa obra de arte do jornalismo, considerada por muitos como uma das melhores reportagens do gigante New York Times: O uso das fotografias não só ilustrando o texto, mas o complementando é uma obra de mestre da estratégia narrativa por parte do autor.
“Usando algemas, uniforme prisional laranja, máscaras e equipamentos para bloquear seus olhos e orelhas, os primeiros prisioneiros da Guerra do Afeganistão foram depositados em Janeiro de 2002 na prisão que consistia em jaulas, de aproximadamente 0,75 m², feitas de concreto e arame. Assim era o Camp X-Ray.”
(U.S. Navy, Shane T.McCoy/Associated Press)
Ao usar termos como “depositados”(deposited) e “jaulas” (cages), o autor demonstra de forma sutil o quanto esses prisioneiros eram tratados como verdadeiros objetos ou animais. E as fotos de Winter ajudam nesse entendimento: as imagens escolhidas para ilustrar a reportagem parecem, na verdade, as de um zoológico abandonado, e não de uma cadeia. Cadeia essa que, segundo o próprio Secretário de Defesa dos Estados Unidos da época, Donald H. Rumsfeld, era lugar “menos pior” para alocar aqueles homens.
As fotos complementam a reportagem de outra forma genial. Savage, sem as imagens, teria que descrever em detalhes para o leitor como está a prisão hoje em dia, o que tomaria muito espaço e não ficaria tão impactante. Assim, enquanto os retratos em preto e branco, corroborando o clima macabro do local, mostram ao leitor o estado de Guantánamo e os locais onde as cenas de tortura e dor aconteceram, Winter pode contar os horrores que se passaram e a história conturbada do local, que passou de asilo para imigrantes à cadeia e, hoje, vive o abandono. Além da história, as descrições do autor contam aquilo que só quem esteve lá poderia saber, como as torres moribundas do local e os animais que o empestearam.
(Foto: DAMON WINTER / NYT)
Fato é que as fotos, as descrições dos horrores e as torturas que se passaram em Guantánamo não devem ser esquecidos nunca. E é por isso que essa reportagem é tão importante, para além de seus aspectos técnicos. Textos como esses não nos deixam esquecer do que o ser humano é capaz de fazer com o outro e que devemos estar sempre alertas para que o passado não se repita. Guantánamo pode estar aos poucos se fechando, mas suas torres e jaulas ficarão para sempre lá, como um lembrete, assim como a reportagem do New York Times.
Em uma última sacada admirável e na qual alunos de jornalismo podem se inspirar, Charlie Savage utiliza a idade dos atuais guardas do local como medidor para o tempo que a prisão está aberta. No meu caso, quando Guantánamo recebeu os prisioneiros de guerra no Campo X-Ray, eu tinha pouco mais de 1 ano. Quanto tempo mais esses homens ficaram a mercê de Guantánamo e seus horrores?
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