Não é insana a “proibição” implícita de profissionais da imprensa esportiva assumirem seus times do coração?
Pedro Guevara
No último dia 6 de maio, o jornalista André Hernan, que saiu recentemente do grupo Globo, participou de um podcast para comentar esse e outros assuntos de sua carreira. A entrevista viralizou por conta de um trecho em que o convidado acabou deixando escapar o time pelo qual torce – o São Paulo. Desconcertado, ele brincou com a situação e ficou visivelmente constrangido. Como repórter, André já cobriu partidas de variadas equipes, mas notabilizou-se pela cobertura de um arquirrival do São Paulo: o Palmeiras.
Reação do repórter ao assumir, sem querer, o time pelo qual torce (Imagem: Reprodução)
As razões para o constrangimento de Hernan são óbvias. O jornalista esportivo convive, no futebol, com todo tipo de violência, mas, nos tempos atuais, até mesmo alguns limites, como o de respeito ao trabalho da imprensa, têm sido ultrapassados.
O episódio em questão expõe algo curioso no meio do futebol brasileiro: o número ínfimo de jornalistas que assumem, publicamente, o time pelo qual torcem. Existe um pensamento implícito (e equivocado) de que a imparcialidade de alguém do ramo é definida por dizer ou não a equipe pela qual se torce. E é preciso lembrar: com absoluta certeza, todo e qualquer jornalista tem um time para torcer – e é irreal pensar o contrário, afinal, o desejo de trabalhar com o futebol costuma vir da paixão pelo esporte, e ela sempre vem conectada à paixão por um clube. É o processo natural de qualquer fã da bola.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que defender o direito de torcer não significa pregar parcialidade. A célebre frase do mestre João Saldanha, “ninguém é filho de chocadeira”, resume o óbvio: não existe neutralidade por inteiro. No entanto, se um profissional de imprensa tem o direito de manter o vínculo ao seu clube, também tem o dever de prezar pela informação e não colocar paixões acima da responsabilidade maior da profissão.
Em entrevista ao primeiro episódio do EcoCast, Alex Escobar, outro nome da imprensa esportiva, falou sobre o assunto. Perguntado se saberíamos o time de mais jornalistas se o futebol fosse menos violento, respondeu: “Acho que sim, sem dúvidas [...] É muito difícil você se assumir, por exemplo, Flamengo e comentar um jogo em São Januário. Principalmente se tiver o time em crise, ou se no comentário de alguém na Globo ou no SporTV no jogo anterior a torcida ficou possessa… aí você vai acabar pagando o pato. Ou não concordaram com alguma coisa que você falou… então é até perigoso.”
Alex Escobar no primeiro episódio da nova temporada do EcoCast (Imagem: Reprodução)
Tanto o relato de Escobar quanto o comentário de Hernan mostram que os profissionais são alvo fácil dos torcedores. Normalizou-se o ataque à imprensa (não só no mundo esportivo, diga-se). Por mais imparcial e competente que seja enquanto estiver trabalhando, no mundo da superexposição, o jornalista não tem mais o direito de torcer nem se estiver fora do seu ambiente profissional.
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