Filme é inspirado na obra de um dos mais famosos jornalistas do mundo, e conta a história de um jornalista que não cumpre com o que a sociedade espera nessa profissão e justamente por isso faz um dos melhores trabalhos jornalísticos
Francisco Procópio
(Imagem: Rhino Films)
O filme Medo e Delírio Em Las Vegas é uma produção norte-americana de 1988, inspirado no livro de mesmo nome do jornalista Hunter Thompson. A produção mostra o protagonista Raoul Duke (Johnny Depp) e seu advogado (Benicio Del Toro) em uma viagem a Las Vegas com o objetivo inicial de cobrir uma corrida de moto. Mas acabam mudando todo o seu foco e embarcando em uma aventura regada a drogas como LSD e maconha que proporciona entender de uma forma louca qual é o sonho e ideal americano.
A bilheteria nos cinemas não teve um bom desempenho. Devido ao seu estilo de extrema irreverência e desconstrução ao filmar as cenas, que quando não se entende muito bem o contexto de produção. Apresenta-se para o público, como um filme desconexo e com enredo pouco elaborado, ao introduzir cenas com transformação de pessoas em animais e ambientes distorcidos, em uma sequência não tão lógica e temporal de relatar os fatos.
Por outro lado, a crítica especializada não o interpreta dessa maneira, mas o entende como uma grande produção, principalmente por abordar com tanta fidelidade o livro do jornalista americano. Esse bom resultado deve-se, primeiro, a atuação de Johnny Depp como o narrador e protagonista do filme. Encarnando perfeitamente a personalidade excêntrica e sarcástica de ser e de ver o mundo de Thompson, que é complementada pelo trabalho do diretor Terry Gillian, que consegue traduzir com perfeição o estilo gonzo de escrever nas cenas do filme hollywoodiano.
O jornalismo gonzo é uma vertente do “new journalism”, um gênero jornalístico iniciado nos Estados Unidos por volta dos anos 60. O estilo busca alinhar a objetividade, precisão e apuração do jornalismo com a profundidade e sensibilidade da literatura. Construindo, a partir de técnicas literárias, uma realidade mais diversa no jornalismo. Hunter fundamentava-se nisso, mas buscava ir além, colocando-se muitas vezes como participante da matéria e até expondo sua opinião de forma clara na mesma. Utiliza também a ficção, para impactar o leitor muito além do que era visto no velho jornalismo.
O livro Medo e Delírio Em Las Vegas, foi a primeira obra do jornalismo gonzo, porque, ao escrever uma matéria sobre a sua perspectiva do sonho americano, mostra a fugacidade e banalidade de toda essa cultura baseada no consumismo excessivo. Com isso, ele rompe com o tradicional jornalismo ao acrescentar-se como personagem e, através disso, pondera sua opinião sobre a realidade. Outra coisa foi o uso da ficção, como pode ser visto na primeira cena do filme, quando encontra-se com um rapaz que, provavelmente, não existia e só fazia parte da sua mente já alucinada com drogas. O diretor consegue captar muito bem esse delírio no filme, utilizando de um ambiente distópico e um enredo complexo para transmitir com clareza o que Thompson sentia e via.
Tanto a mente de Hunter Thompson quanto o próprio filme podem ser melhor compreendidos quando entendemos duas coisas: a personalidade de Hunter (personagem e autor), que desde cedo já era bastante rebelde (tendo sido até mesmo preso na juventude), e o período histórico que os Estados Unidos viviam na época, marcado pela contracultura, um movimento que lutava por direitos políticos e contestava a cultura vigente. Por isso, Hunter associa sua revolta ao movimento, e escolhe o auge da ideologia americana, representado em Las Vegas, uma cidade construída em um deserto e que virou um dos maiores polos americanos, para fazer uma ferrenha crítica.
Em resumo o filme mostra-se bastante interessante, principalmente aos apreciadores de como fazer um bom jornalismo, pela densidade dos fatos históricos e a descrição minuciosa do jornalismo gonzo, mas é necessário fazer uma boa pesquisa para aproveitar ainda mais o filme.
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