Jornalistas mulheres são o alvo preferido dos ataques de Bolsonaro à imprensa
Hemylly Castelano e Letícia Acuy
Durante o governo Bolsonaro, o Brasil caiu em um ranking de liberdade de imprensa. O país agora ocupa a 110ª posição, atrás do Haiti e da maioria dos vizinhos sul-americanos, como Peru, Uruguai e Argentina. Esse cenário foi levantado pela ONG Artigo 19, uma entidade internacional que reivindica a liberdade de expressão como direito fundamental. A organização alerta que o Brasil foi o terceiro país que mais teve sua imprensa ameaçada na última década, chegando, em 2021, ao seu pior nível desde 1990. Nesse mesmo ano, o Relatório Violência de gênero contra jornalistas, feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, foi além e mostrou que, para as mulheres jornalistas, essa ameaça se mostrou ainda maior.
Rafaela Sinderski, responsável pelo monitoramento feito pela ABRAJI, explica que o estudo é um desdobramento do Relatório Geral de Ataques à Imprensa, realizados desde 2019: "Ficou claro que a violência que atingia as mulheres jornalistas era, em alguns aspectos, diferente daquela direcionada aos homens. Mulheres jornalistas costumam sofrer mais com discursos estigmatizantes", conta Rafaela.
Dos 119 casos estudados, o relatório mostrou que 38% tiveram ataques com viés de gênero. A jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, foi uma das vítimas desses ataques. Em 2020, ao questionar Bolsonaro sobre o escândalo das fake news, foi recebida com discursos sexistas do chefe do executivo: “Ela queria o furo, ela queria dar o furo”, atacou o presidente. A fala de Bolsonaro atuou como inspiração para seus apoiadores, que repetiram as ameaças contra jornalistas nas redes sociais. O Relatório da ABRAJI identificou que, durante a pandemia, 68% dos ataques começaram na internet. Casos como o de Patrícia Campos Mello, que não se originam nas redes, mas acabam repercutindo nelas, são cerca de 3% das ocorrências.
Esse quadro de violência é perpetuado pelas próprias organizações jornalísticas que, segundo Rafaela Sinderski, enxergam os ataques como um efeito colateral da profissão. Entre os casos originários nas redes sociais, 98% tiveram uso de discursos estigmatizntes, o que mostra uma banalização por parte da sociedade. São usadas táticas de desmoralização do caráter, reputação e ataques de gênero, que perpetuam uma série de preconceitos. Thais Oyama foi uma das vítimas desses discursos de Bolsonaro: “A nossa imprensa tem medo da verdade. Deturpam o tempo todo. Mentem descaradamente. Trabalham contra a democracia, como o livro dessa japonesa que eu não sei o que faz no Brasil”, agrediu Bolsonaro.
Ataques à imprensa demonstram fragilidade do sistema democrático. As violências de gênero contra jornalistas é sinal que o país ainda tem um longo caminho a percorrer para superar estigmas associados às mulheres. “Não é aceitável que, em uma sociedade democrática, a liberdade de imprensa seja constantemente atacada com uma violência que se baseia em suas identidades de gênero, orientações sexuais, sexualidades e aparências. Isso pode provocar autocensura e prejudicar a circulação de informações de qualidade e de interesse público", finaliza Rafaela.
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