Luiza Griesang
Imagine estar há quase duas semanas sem água, sem energia elétrica, sem ventilador ou ar condicionado em um calor de 40 graus, sem poder sacar dinheiro para comprar comida - enquanto a pouca comida que você tem na geladeira estraga. E isso tudo acontecendo no meio de uma pandemia mundial de um vírus fatal. Difícil só de pensar, né? Mas as pessoas que vivem no Amapá não precisam imaginar.
Desde o dia 3 de novembro, o Amapá tem sofrido com um apagão que deixou 89% da população sem fornecimento de energia elétrica no estado. A causa foi uma tempestade em Macapá, que causou uma explosão seguida de um incêndio, o qual atingiu a subestação da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) e danificou os três transformadores. A Agência Pública foi até o estado para conversar com os moradores e entender um pouco mais sobre como eles estão fazendo para viver nessas condições - ou melhor, sobreviver.
Em uma matéria cheia de sensibilidade, Amapá: “Ou a gente corre risco de pegar o corona ou corre o risco de ficar com fome” deixa bem claro, já em seu título, a desagradável situação que os amapaenses enfrentam. Ao entrevistar os moradores locais, o repórter Dyepeson Martins se deparou com as escolhas complexas que eles tiveram de tomar, como por exemplo, seguir as orientações para prevenção da COVID-19 ou enfrentar sete horas em uma fila para tentar sacar dinheiro em um dos poucos caixas-eletrônicos que funcionam. O último boletim do Governo do Estado indica mais de 54 mil casos confirmados da doença e 774 mortes - números que pioraram com o apagão, pois, além das aglomerações nas filas, o atendimento básico de saúde aos moradores piorou.
Moradores precisam andar quilômetros para comprar água mineral, já que a água da torneira não é ideal para consumo. Créditos: Reprodução/Agência Pública
Além de afetar as atividades cotidianas da população, o apagão também dificultou as tarefas nos hospitais do estado. Apesar da rede pública ter sido energizada em uma medida de emergência adotada pela CEA, o fornecimento continua problemático. Uma enfermeira do Hospital de Emergências de Macapá contou à reportagem que teve de realizar a oxigenação dos pacientes manualmente, depois que equipamento desligou em uma das quatro quedas de energia do dia.
Quando a matéria foi escrita, o apagão tinha acontecido há cinco dias, e agora já dura há 11. Desde então, algumas medidas foram tomadas pelas autoridades, como a implementação de um rodízio de energia a cada 3h, que, ao que tudo indica, é falho e insuficiente. Com isso, protestos já viraram rotina no estado, que soma mais de 80 atos pedindo pelo retorno integral do serviço e criticando a falta de cumprimento dos horários do rodízio. No primeiro dia de protestos, um adolescente de 13 anos foi atingido no olho por uma bala de borracha e corre o risco de perder a visão.
O mais revoltante ao ler a matéria é perceber que essa situação vem se desenhando há anos. De acordo com relatos dados ao repórter da Agência Pública, o fornecimento de energia elétrica na região nunca foi satisfatório e moradores convivem com eletrodomésticos queimados por causa das frequentes quedas de energia, além de outros problemas, que nunca foram resolvidos.
E é isso que torna Amapá: “Ou a gente corre risco de pegar o corona ou corre o risco de ficar com fome” uma matéria tão interessante: a mistura de sentimentos que experienciamos ao lê-la. Ela é amarga, crítica, sensível e impactante. Ela causa revolta. Empatia. Tristeza. Vontade de pesquisar mais sobre o tema e saber como deixaram a situação chegar nesse ponto. Cobrar as autoridades por uma solução. E é disso que o Amapá precisa nesse momento: que o assunto seja falado, discutido e, principalmente, cobrado. Com isso, a matéria cumpre o papel social do jornalismo muito bem e sua leitura é extremamente recomendável, não só para todos os estudantes da área, mas para todos os cidadãos.
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