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“O Escândalo”: Hollywood conta a terrível história por trás da Fox News

Gabriella Almeida


Em 2017, a indústria cinematográfica parou. Com a hashtag #MeToo, diversas atrizes conhecidas mundialmente relataram os abusos sexuais sofridos no seu ambiente de trabalho, além de exporem nomes como Harvey Weinstein, um dos homens mais influentes de Hollywood, conhecido por pagar pelo silêncio de suas vítimas. No entanto, um ano antes, outra indústria era abalada por denúncias de machismo e assédio: a jornalística. Dirigido por Jay Roach, “O Escândalo” conta a história de mulheres que não tiveram a mesma atenção que as de Hollywood, mas que sofreram tanto quanto elas.


Da esquerda para a direita: Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie em “O Escândalo” / Lionsgate.


O filme acompanha a história de três jornalistas da Fox News, famosa emissora dos Estados Unidos, conhecida por ser a queridinha de Donald Trump. É no contexto pré-eleição norte-americana de 2016 que o filme se inicia, quando Megyn Kelly (Charlize Theron) desafia Trump a dar uma resposta sobre os ataques machistas que ele fez publicamente ao longo de sua carreira. Megyn é uma das âncoras mais respeitadas da Fox News, mas nem mesmo a sua influência é suficiente para protegê-la dos diversos ataques que viriam depois do embate com o candidato republicano.

É interessante analisar a repercussão do caso nos jornais americanos. A grande maioria preferiu falar sobre a audácia da pergunta de Megyn ao invés dos ataques sofridos por ela e dos tweets do candidato ofendendo-a. O debate presidencial ficou em segundo plano, e a própria Megyn, preocupada com a falta de atenção do público aos absurdos proferidos por Trump, se pergunta: “sou eu que vou virar a história?”.

Em seguida, entra em cena Gretchen Carlson (Nicole Kidman), âncora de seu próprio programa na parte da tarde. Apesar disso, Gretchen é vista como uma mulher em decadência profissional, pois antes participava do horário nobre da emissora, mas foi realocada por não aguentar mais os comentários machistas e sexistas de seus colegas de trabalho. Uma série de desentendimentos com o CEO da Fox News, Roger Ailes (John Lithgow), deixa claro que ela já não tem a mesma influência de antes e está muito perto de ser demitida.

A trama também conta a história de Kayla Pospisil (Margot Robbie), jornalista em início de carreira que sonha em apresentar o horário nobre da emissora. Ela trabalha para Gretchen, mas logo é promovida para programas de maior audiência, e rapidamente é convidada para conhecer o CEO da empresa. Vale ressaltar que Kayla, na verdade, é uma personagem fictícia, criada a partir de diversos depoimentos de ex-funcionárias da Fox News.

Quando Gretchen é finalmente demitida do jornal, o escândalo se escancara. O desentendimento com Roger Ailes não é meramente profissional, mas consequência de um assédio sexual, que aconteceu pouco antes de Gretchen ser rebaixada na emissora. Ela resolve então processar publicamente o seu ex-chefe, na esperança de que outras mulheres também denunciem e reforcem a sua história.

É aqui que a história das três protagonistas – que praticamente não interagem entre si e apenas dividem uma cena em silêncio no elevador – se cruza: as três já foram assediadas por Roger Ailes. É possível também analisar um padrão na abordagem de Ailes e no relacionamento que tem com as suas vítimas. Ele primeiro alimenta os sonhos de uma jornalista iniciante (como, por exemplo, Kayla), diz frases como “para andar com homens de sucesso, você tem que se deitar com eles” e a convence de que aquilo é necessário para subir na carreira, pensamento machista e cruel que perdura por décadas no ambiente profissional das mulheres – não só nos estúdios de televisão, mas em qualquer indústria. Normalmente, a vítima não relata o que sofreu com medo de arruinar a sua vida profissional, e continua a trabalhar como se nada tivesse acontecido. Algumas conquistam o tão sonhado sucesso no horário nobre (Megyn), para anos depois serem descartadas (como Gretchen). Todas, um dia, foram a Kayla, e todas serão a Gretchen.


Nicole Kidman em “O Escândalo” / Lionsgate.


Porém, o diretor comete a sua maior falha no filme ao preferir focar as atenções no CEO da emissora ao invés da situação dramática e delicada das vítimas. A dor das personagens fica em segundo plano, enquanto os holofotes se direcionam para questões financeiras e a ruína de uma das maiores emissoras jornalísticas dos EUA. Na verdade, as histórias de Gretchen e Megyn são relatadas de forma fria e calculista: a primeira, é colocada numa posição de vingativa, que está processando por ter sido rebaixada no seu emprego e logo depois demitida. A segunda, nem ao menos sabe se quer denunciar Ailes, já que o caráter e a suposta generosidade de seu chefe são sempre colocados na balança. Tudo gira em torno do que vai acontecer com Roger Ailes, o abusador, ao invés do amparo às vítimas.

A única personagem que sofre de forma óbvia e dolorosa é Kayla, justamente a única fictícia. Margot Robbie é precisa na sua atuação, mas seu talento é desperdiçado na cena do assédio – que é completamente desnecessária e mostra muito o corpo da atriz. Para um filme que retrata uma das piores situações que uma mulher pode passar, a exposição da vítima deveria ser a última abordagem escolhida pelo diretor.

Apesar desses erros graves, o filme relata bem o ambiente tóxico e sexista ao qual as mulheres da Fox News eram submetidas. Todas tinham que usar vestidos ou saias curtas, as mesas das âncoras eram abertas e as câmeras sempre filmavam o corpo todo, a fim de que as pernas das jornalistas ficassem expostas para quem assistisse.

A veracidade da história consegue prender o telespectador do início ao fim, mas o filme peca em outros quesitos, como na montagem e o excesso de personagens secundários. O constante movimento da câmera consegue transmitir o caos da redação, mas as quebras de quarta parede (quando o ator ou a atriz fala diretamente para a câmera) são mal feitas e enfraquecem o filme. O diretor tenta trazer um tom cômico, quase de paródia para a trama, mas sua abordagem falha por se tratar de uma história cheia de absurdos e relatos difíceis de digerir. Já em relação aos personagens coadjuvantes, que são tratados de forma tão rasa e quase como figurantes, apenas um se destaca: é o caso da Jess Carr (Kate McKinnon), repórter da Fox que esconde a sua sexualidade e dois pôsteres da Hillary Clinton – rival do candidato republicando e, consequentemente, da emissora – em casa.

É justamente com ela que temos um pequeno vislumbre do jornalismo sensacionalista da Fox News. Após um deslize de Kayla na reunião de pauta, Jess lista uma série de “ensinamentos” da emissora para a jornalista iniciante, entre eles, não se preocupar com a legitimidade da história, pois caso não tenha fontes, apenas diga que “estão falando por aí”. Nas palavras da personagem: “Adote a mentalidade de um policial irlandês. O mundo é um lugar ruim, as pessoas são preguiçosas e burras. Minorias são criminosas. Sexo é repugnante, mas interessante. Pergunte-se ‘o que assustaria a vovó ou irritaria o vovô’? E essa é uma matéria da Fox.”

Essa abordagem jornalística tem sido cada vez mais comum desde a virada do século, e não é surpresa que emissoras sensacionalistas caminhem lado a lado com políticos de extrema-direita – no caso do filme, Donald Trump. Os efeitos dessa parceria vão desde a produção de fake news até o surgimento de grupos supremacistas, motivados pela violência propagada por emissoras como a Fox News. A trama vai além da questão do assédio sexual e mostra que, em pleno século XXI, ainda vivemos submetidos à homens de poder que se sentem à vontade para destilar o seu ódio e tratar mulheres como bem entender.


Charlize Theron e John Lithgow em “O Escândalo” / Lionsgate.


O filme, com todos os seus poréns, foi um sucesso de público e crítica – com uma nota verde no Metascore e um 6,8 no IMDb. As falhas de direção não ofuscaram o talento de Margot Robbie, que conseguiu transmitir todo o sofrimento e o desespero de sua personagem, garantindo uma indicação para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, assim como Charlize Theron para Melhor Atriz. Para além da atuação, o filme ganhou o Oscar de Melhor Maquiagem e Penteado, aspecto realmente livre de críticas.

Ainda que com todas as problemáticas, “O Escândalo” é um exemplo do que o cinema faz de melhor: denúncia. Os efeitos do movimento #MeToo não ficaram restritos às redes sociais e refletiram na produção de filmes que discutem o tema e abraçam a causa. Mesmo com a abordagem pouco profunda, culpa de uma direção descuidada de Jay Roach, Hollywood foi bem sucedida em dar visibilidade para uma história triste, cruel e real. Mas para além disso, Hollywood mostrou que ainda tem muito para evoluir. Para começar: mais mulheres na direção de filmes que falem sobre mulheres.


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