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O fim de uma era em “O Que Aconteceu ao Homem de Aço?”

Victor Kallut

(Imagem Reprodução)

A crise que assolava a DC Comics no final da década de 70 tinha uma motivação, para além de outros fatores, proveniente do próprio corpo das HQs lançadas nos últimos 50 anos: a imensa confusão que eram os multiversos existentes nas histórias da editora. A ideia de diferentes universos coexistindo de forma simultânea tornava os enredos difíceis de serem feitos e até entendidos, o que ocasionou diversos furos de roteiro e uma queda na qualidade dos quadrinhos lançados. Com essa crescente desorganização, vários leitores deixaram de acompanhar as histórias e de consumir os produtos da empresa, o que forçou a DC a tomar uma medida drástica: reformular completamente toda a cronologia existente até então, partindo de uma mega saga que ficou conhecida como Crise nas Infinitas Terras.


Com o reboot — termo usado na esfera dos quadrinhos para categorizar esses recomeços cronológicos nas linhas temporais da ficção — cada vez mais próximo, alguns dos personagens mais famosos do mundo geek estavam com seus dias contados, e entre eles se encontrava Superman. O Homem de Aço não iria desaparecer, entretanto sua origem iria ser recontada do zero e tudo produzido até ali, descartado de sua condição cânone — ou seja, não seria considerado para a continuidade oficial da série. Sendo assim, nas palavras do próprio editor Julius Schwartz, era necessário “dar um fechamento a todas as coisas que haviam ocorrido nos anos anteriores”, bem como responder às questões mais importantes acerca do maior herói das HQs. Com isso em mente, Julius se juntou a Alan Moore, lendário escritor de histórias em quadrinhos para compor o definitivo fim das aventuras do Superman, ao menos naquela era.


A história começa com Tim Crane, repórter do Planeta Diário, jornal do qual Clark Kent — a identidade secreta do Homem de Aço — era repórter, batendo à casa de Lois Lane, agora Lois Elliot, para fazer uma entrevista sobre os últimos dias de vida do Superman que, no momento em que HQ acontece, tinha falecido há dez anos. A ação jornalística é o que amarra todo o roteiro, que alterna entre cenas do passado e do presente. Embora pareça óbvio, vale ressaltar que, por se tratar de uma conversa entre Tim e Mrs. Elliot, toda a narrativa acerca dos últimos momentos do herói são contados a partir da visão de Lois. Isso será de fundamental para a história.


Os episódios são descritos pela ex-jornalista, que não só descreve os fatos que culminaram na morte de Clark, mas também dá detalhes sobre o perfil psicológico do Homem que só fazia o bem, mostrando que, apesar de toda a idolatria que detinha, também era passível de sentir medos, inseguranças e também dúvidas sobre o amor. Ele tinha seu lado humano. Aqui se faz presente uma característica da chamada “Era de Ouro” dos quadrinhos, onde foram colocados pela primeira vez em cheque os sentimentos desses personagens tidos como quase deuses. Característica essa que Alan Moore soube explorar com maestria nesta revista.


A história, tendo o desafio de esclarecer para o público os mistérios pendentes nos contos do personagem, alcança esse objetivo de forma natural, sem a pressa esperada para a proposta de fazer tudo isso em somente duas edições. Ainda por cima, relembra clássicos inimigos do Homem de Aço, como Parasita, Terraman, Bizarro, Lex Luthor e até Brainiac. Todos são trazidos à tona de uma forma curiosa, espontânea, mas ao mesmo tempo importante; não aparecem apenas para “bater ponto”. Embora sem o foco dado a eles em quadrinhos anteriores, conseguem deixar uma boa impressão na “última história do Superman”.


Em um determinado momento, Jordy Elliot, marido de Lois, interrompe a entrevista para tomar um pouco de café, que sua esposa havia oferecido ao jornalista. O homem, de forma sucinta, apenas faz um comentário acerca do ex-namorado de sua esposa, dizendo que ele “não era nada de especial”. É mencionado também que o casal tem um filho de nome Jonathan. Em instante algum é contado o passado de Jordy, ou até mesmo como Lois o conheceu, o que deixa um ponto em aberto interessante na trajetória do novo personagem.


Conforme a narrativa se encaminha para o final, em um piscar de olhos, há uma reviravolta nos acontecimentos que rondam a aparição dos vilões previamente mencionados e, como se fosse extremamente simples, Alan Moore reduz todos os "fios soltos" a uma simples causa que, para a obra, se mostra bastante satisfatória. A facilidade com que o autor britânico desenvolve os pontos-chave de seus quadrinhos é algo admirável, que mais tarde com Watchmen e V de Vingança, o fariam um dos maiores artistas do gênero. A resolução da história se dá de forma rápida, mas eficiente; sem mais rodeios do que o necessário para o limitado tempo e materiais disponíveis. O fim do Superman, imaginado por muitos como, possivelmente, um dos momentos mais épicos das HQs, é leve e suave.


Após a entrevista, Tim Crane rapidamente se retira da casa dos Elliot. O que ocorre a seguir, de certa forma, coloca em dúvida a credibilidade das palavras de Lois durante o diálogo com o repórter do Planeta Diário. Sem a clareza de antes, o roteiro dá pistas do que pode realmente ter acontecido com Clark Kent para além dos fatos contados por sua ex-namorada que, embora pareçam verdadeiros, podem estar ligeiramente incompletos.


O Que Aconteceu ao Homem de Aço não apresenta defeitos dignos de um apontamento mais profundo. A história, do início ao fim, é bem amarrada em seu roteiro e, sendo uma saga curta, atende perfeitamente às expectativas. A arte de Curt Swan, desenhista responsável pelos quadrinhos do Superman desde a primeira edição, dispensa comentários — mostrou a mesma qualidade e constância dos últimos anos. Talvez, o único erro tenha sido cometido pela editora DC Comics, que reservou apenas uma edição para o fim das aventuras de seu principal personagem, e não uma saga completa, o que seria muito merecido.




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