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O Jornalismo não é inclusivo. E essa é uma questão de urgência

Camila Sant’Anna


No dia 25 de maio de 2020, George Floyd foi assassinado brutalmente por um policial branco. No dia seguinte, jovens e defensores do movimento Black Lives Matter começaram uma onda de protestos que tomaria as ruas, a internet e o mundo. Holofotes foram postos sobre a desigualdade racial nas empresas e nos governos e o povo preto americano mostrou que não aceitaria mais essa situação. O jornalismo, é claro, não foi imune às críticas e a IstoÉ, em sua reportagem Cobertura de protestos antirracismo traz reflexões às redações dos EUA, mostra como exatamente elas estão sendo recebidas.


Pode ser um desafio olhar para sua profissão e o meio em que você trabalha e notar que, na verdade, ele tem defeitos muito sérios. Mais difícil ainda quando esses defeitos são partes de uma cultura já enraizada tanto na sociedade quanto no mercado de trabalho. Por meio de exemplos, dados concretos e nomes importantes do jornalismo, a matéria da ISTOÉ nos ajuda a ver como essa área, apesar de prezar por olhar toda a sociedade, exclui minorias raciais. Faz isso com clareza, imagens mentais e de um jeito respeitoso tanto com a profissão quanto com as pessoas afetadas pelo racismo nela. Pode ser difícil para jornalistas mais jovens tratar de assuntos dos quais já têm opiniões formadas, mas a revista fica no limite da imparcialidade (talvez até demais) e pode ajudar quem quiser se arriscar nesses temas.

A estrutura da matéria também é algo inspirador. Começa com um pequeno e objetivo lide, seguido por exemplos curtos, passando então para uma exemplificação mais aprofundada. Entra, logo adiante, nas opiniões de especialistas e fecha com um chamado à ação. Assim, o texto guia o pensamento do leitor e o induz a chegar nas mesmas conclusões, tecendo um argumento muito eficiente.


É impossível não ficar convencido e inquieto com a sequência de exemplos imagéticos e fortes que a revista traz logo após o primeiro parágrafo, listando demissões ligadas ao racismo tanto em meios célebres, como o New York Times, quanto em menos famosos, como o jornal Philadelphia Inquirer, passando até por uma revista culinária. Assim, a agência de notícias francesa, juntamente com a ISTOÉ, nos dá uma dimensão do tamanho do problema e o quanto ele afeta todos as esferas de jornalismo. Depois dessa sequência, o autor usa nomes renomados como o de Ken Paulson, ex-editor-chefe do USA Today, e Martin Reynolds, copresidente do Instituto Maynard, que promove a diversidade na imprensa, para fortalecer ainda mais seu argumento, dessa vez, acompanhado de dados concretos.

“Cerca de três quartos dos funcionários das redações dos EUA são brancos, de acordo com dados de 2018 do Pew Research Center.

Mesmo quando usa nomes menos conhecidos para ilustrar seu ponto, como os das jornalistas Alexis Johnson e Akela Lacy, a ISTOÉ traz poder à matéria através de exemplos cotidianos em passagens como: “Alguém mais é o único jornalista negro na redação? ” (tuíte de Lacy). Entre nomes fortes e menos conhecidos, citações diretas e indiretas e formas criativas de expressar o que o entrevistado disse, a ISTOÉ e a AFP dão uma verdadeira aula sobre os diferentes tipos de aspas.


Akela Lacy e Martin Reynolds também são usados no fim da matéria como, acredito eu, modo de escape para a redação da própria ISTOÉ. Ao invés da revista assumir uma posição e cobrar mudanças, ela utiliza a voz dos dois personagens para passar a mensagem e, possivelmente, livrar-se da cobrança de uma atitude mais forte.


“Tanto Lacy quanto Reynolds esperam que os espinhosos debates que surgiram em algumas redações antecipem um futuro mais justo e equitativo.

Não seria esse momento - em que questionamos o papel das empresas e esperamos um posicionamento real delas em questões sociais importantes - da ISTOÉ se colocar firmemente como progressista e a favor de um futuro mais inclusivo para o meio em que está inserida? Apesar de não ser um editorial e tendo em vista que a própria matéria em questão traz a noção de que a objetividade é uma falácia, acredito que uma oportunidade de se pôr na vanguarda dos meios de comunicação foi perdida pela revista nesse momento tão importante para a história do jornalismo e da humanidade.


A questão do racismo é e será por um longo tempo importante. Agora cabe a cada empresa, especialmente no jornalismo, decidir de que lado estará: dos oprimidos ou dos opressores, não há meio termo. No final, resta a pergunta de Akela Lacy: Se você questionar quantos pretos tem em sua redação, sala ou qualquer outro ambiente, quantos levantarão o dedo? A resposta pode e deve assustar.


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