Uma relação de trabalho íntima
por Daniel Grehs
Reprodução: Netflix
Voyeur é um documentário original da Netflix que apresenta várias das sutilezas da prática jornalística. Principalmente, aquelas que não aprendemos na faculdade: o limite entre ficção e realidade, a credibilidade do profissional, o convívio com os veículos de imprensa, e sobretudo o relacionamento com a fonte. O longa mostra como o brilhante jornalista Gay Talese lida com uma boa história.
O documentário dirigido por Myles Kane e Josh Koury apresenta os bastidores do polêmico lançamento do livro, escrito por Talese, O Voyeur. O título se refere a Gerald Foos, que nos anos 60 comprou e modificou um motel para observar seus hóspedes sem ser visto. Ele entende a si mesmo como um pesquisador, anotou tudo que via, através das grades de um falso sistema de ventilação, por noites sem dormir, durante décadas. Em algum momento, Gerald decide compartilhar sua história e manda uma carta para Talese.
A relação entre os “voyeurs”, Talese e Gerald, que claro, estão em dimensões legais muito diferentes, começa 25 anos antes da publicação do livro. O jornalista passa esse período apurando os fatos e construindo sua relação com a fonte. Aqui o documentário divide opiniões. A ilegalidade do voyeurismo quase não é abordada. Justamente, aos olhos de Talese, escrever a história era também sobre mergulhar na realidade de Gerald, e pelo bem texto, abrir mão do julgamento moral.
Reprodução: Netflix
O documentário é dividido em duas linhas principais. A primeira passeia pelos métodos de um dos mais influentes jornalistas do século 20. Gay Talese, vaidoso e já no final da sua carreira, precisa cuidar da credibilidade que construiu. Como apurar uma história tão improvável e conhecida por tão poucos? O escritório de Talese guarda todos os detalhes de matérias escritas ao longo de uma vida. Fica evidente a obsessão pela informação. A outra, é a do próprio voyeur. Gerald é, sem dúvida, icónico, ou mesmo nauseante. Os óculos, que usa desde que tinha cabelos totalmente coloridos, até estarem perfeitamente brancos, não o deixa esconder a excentricidade. Para Talese, ele é um sujeito perigoso. É fácil se impressionar com um personagem desses, mas para um profissional, não é sábio ter uma fonte única.
Gay Talese deixa passar pontos essenciais durante a apuração. Quando a história é publicada pela primeira vez - um artigo na revista New Yorker - colegas da imprensa encontram incongruências no relato de Gerald, o que quase invalida o livro às vésperas da publicação. O documentário levanta diversas questões éticas em torno, não somente de Gerald, mas principalmente do jornalista. A relação de amizade entre ambos é questionável, e se estabelece em torno de uma longa negociação. Enquanto Talese tenta se posicionar como observador isento, Gerald o puxa para dentro do voyeurismo.
Reprodução: Netflix
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