Ruth Scheffler
Informar, divertir, inspirar e definir a agenda de seus telespectadores. Essa é basicamente a função dos noticiários que chegam até às casas dos americanos todas as manhãs. Mas será que por trás das câmeras a realidade é tão aconchegante e familiar quanto parece? Essa é a questão que a série The Morning Show irá desmistificar.
A grande aposta da plataforma de streaming Apple TV+ recebeu diversas críticas, sobretudo, pelo seu alto custo. Entretanto, nem por isso teve o seu brilho ofuscado. O seriado rendeu várias indicações e foi premiado em diversas ocasiões, como no Golden Globes e no Emmy Awards. Parte desse reconhecimento pode ser atribuída a inclusão de grandes nomes ao elenco, que tem como protagonistas: Steve Carell, Jennifer Aniston, Reese Witherspoon, Billy Crudup e Mark Duplass. Inacreditavelmente, esses atores conseguem ser ainda mais surpreendentes em suas performances. Contudo, nada supera a adrenalina que o enredo de The Morning Show desperta no espectador.
Estúdio do The Morning Show (Fonte: Apple TV+)
Uma bomba: o apresentador da rede de televisão UBA, Mich Kessler (Steve Carell), é denunciado por assédio sexual. É assim que começa o primeiro episódio da série. A pergunta feita em uma das primeiras cenas - “quem morreu?” - pode ser respondida a partir daí. Trata-se do fim de uma era em um dos mais tradicionais noticiários americanos, o The Morning Show. O título do terceiro episódio, “O caos é a nova droga”, define bem a ambientação em que o bastidores do programa se encontra. Nervos à flor da pele, ameaças e instabilidades dominam aqueles que informam e entretêm diariamente seus espectadores. Mudanças drásticas serão inevitáveis. Por vezes, elas são desejáveis, mas nem um pouco agradáveis.
Mich Kessler (Steve Carell), é um jornalista adorado por (quase) todos. Ele é a típica figura que qualquer um gostaria de ser: tem carisma, prestígio e, sobretudo, um enorme patrimônio material. Entretanto, todo o seu império desaba quando ele rompe a cláusula moral de seu contrato ao se envolver em casos de assédios sexuais. Há uma enorme complexidade que circunda esse e os os demais personagens da série. Será que ele foi o único responsável pelo ambiente tóxico nos estúdios do The Morning Show? Somente ele cometeu crimes por falta de conduta ética? Envolto em uma bola de neve, o que esse jornalista mais quer é salvar sua reputação.
A parceira de bancada de Mich, Alex Levy (Jennifer Aniston), tem uma personalidade muito intensa. A sua vida é tomada simultaneamente por turbulências no trabalho e na família. Ela permaneceu pacificamente e durante um longo período em um ambiente restrito, tradicionalmente dominado por homens. Porém, a veterana rompe essa bolha ao perceber a dimensão do seu poder, relacionado principalmente à opinião pública. Esse processo, entretanto, leva seus valores a serem questionados. Ela é tão progressista quanto parece? Até que ponto mudanças estruturais serão desejáveis por esta jornalista? Mesmo quando todo o seu sacrifício e trabalho parecem estar em cheque, Alex não desiste do jogo. A lição deixada por ela é: "Às vezes, as mulheres não podem pedir pelo controle. Então, elas têm que assumi-lo.”
A novata do time é Bradley Jackson (Reese Witherspoon), que também é jornalista. As cicatrizes do passado deram a ela coragem e resiliência. Bradley é destemida e muitas vezes impulsiva. De uma forma completamente inesperada, ela recebe a proposta de emprego que qualquer um desejaria. Ela passa, então, a representar a nova fase do The Morning Show. Sem muito tempo para se preparar, Jackson logo percebeu que, em seu novo trabalho, as consequências de suas ações tinham proporções muito maiores do que antes. Mesmo assim, nada deteve o seu espírito questionador e iconoclasta. Ao investigar antigas histórias dos bastidores do programa matinal, ela torna algumas feridas ainda mais doloridas. Dessa forma, inúmeros paradigmas vêm à tona. As pessoas suportam mudanças tão drásticas quanto as que desejamos? Qual o custo da busca pela verdade? Como as emoções podem afetar o trabalho jornalístico?
É assim, por meio de situações e figuras caóticas, que The Morning Show levanta diversos questionamentos. Grande parte deles pode ter uma variedade de soluções - ou mesmo nem ter. A questão de gênero, por exemplo, é apresentada de uma maneira completamente incomum, em que tanto o papel das vítimas quanto o dos agressores é problematizado. Essa é, entretanto, apenas uma dentre as demais temáticas abordadas. Racismo, fama, ética profissional, relações familiares complexas e vários outros tópicos também entram no combo. Certamente, a série não tem pretensão nenhuma em nos deixar na zona de conforto. Somos levados a concluir que até mesmo em um contexto em que a aparência é tão controlada e valorizada, crises são inevitáveis.
Elenco da série (Fonte: Apple TV+)
São muitas as mensagens sublimes deixadas nas entrelinhas do roteiro dessa série. Porém, para o espectador que tem uma relação direta com o jornalismo, elas ganham um toque especial. Isso porque ao exporem os principais desafios, elas desconstroem a concepção idealizada do trabalho jornalístico. Além disso, diversas cenas são recheadas de verdadeiras lições, tanto para aqueles que almejam, quanto para os que já trabalham em grandes redações. Talvez essa característica provenha da inspiração da narrativa, que apesar de ser uma ficção, é baseada no mundo real.
O enredo é inspirado no livro do jornalista Brian Stelter, Top of the Morning: Por dentro do mundo cruel da TV matinal. Nele, o autor, que foi repórter do New York Times, usa sua experiência de trabalho para abordar assuntos polêmicos, como a competição entre Good Morning America e Today Show (em que houve a tão malfadada e curta substituição de Meredith Vieira por Ann Curry). Consequentemente, os episódios não refletem a proposta de um único programa matinal, mas sim, de uma variedade deles. Vale destacar também que a viralização do movimento Me too, em 2017, foi incorporada ao roteiro.
Mas, The Morning Show ainda não terminou. Muitas são as expectativas para a segunda temporada, que foi adiada por conta da pandemia do novo coronavírus. Inclusive, essa é outra temática que deverá ser adicionada ao enredo.
Enquanto os novos episódios não chegam, a primeira temporada está disponível na Apple TV+ para você assistir quantas vezes quiser.
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