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O olhar crítico de Bourdieu sobre a mídia e o jornalismo em seu livro “Sobre a Televisão”

Leticia Moser


Pierre Bourdieu analisou o modo como a televisão coloca em risco diferentes áreas do conhecimento, assim como a vida política e a própria democracia. Como fez quando se dispôs a analisar outros universos, como a arte, a universidade e a religião, nesta obra também desenvolveu sua análise sobre a televisão e, particularmente, sobre o jornalismo televisivo.


Bourdieu examina os mecanismos de censura que estão nos bastidores da televisão por trás das imagens e discursos exibidos, alertando para os perigos que tais mecanismos representam para todas as esferas culturais. “Sobre a televisão”, publicado pela primeira vez em 1996 e best-seller na França, gerou polêmica, a ponto de o autor acrescentar à edição brasileira um posfácio em resposta às críticas recebidas.


No prólogo da obra, o autor ressalta os motivos por que critica os mecanismos televisivos e esclarece que suas análises não são ataques contra os jornalistas e contra a televisão, mas que sua intenção é que seus estudos possam contribuir para uma mídia que propague informações genuínas.


No princípio do livro, Bourdieu diz que a televisão modificou mais o campo jornalístico do que o surgimento da grande imprensa e do folhetim, em épocas anteriores. É isso que faz com que a influência do jornalismo na cultura nos tempos atuais se dê com mais força e de modo diferente. As relações de liberdade e de autonomia dos jornais e dos jornalistas são fatores determinantes na formação da notícia, fazendo com que ela seja mais ou menos tendenciosa e sensacionalista.


Ao longo da obra, Bourdieu nos apresenta conceitos como o de “fatos-ônibus”, que fazem parte de um mecanismo de ação simbólica que se explica por atrair a atenção para fatos que são de natureza a interessar a todo mundo, porém sem estimular o pensamento crítico. Isso faz parte de uma espécie de censura invisível. Ele diz que a televisão ao mesmo tempo em que transmite uma mensagem, omite outras, mostrando apenas aquilo que interessa para a emissora.


De acordo com Bourdieu, o universo do jornalismo é um campo que está sob a pressão de outras esferas, como a econômica, a partir de uma realidade a qual a TV cada vez mais se submete: o índice de audiência. Os acontecimentos são selecionados a partir do princípio do sensacional, submetendo-se à pressão comercial, inundando a tela de enchentes, incêndios, acidentes, assassinatos e aquilo que chama à atenção do telespectador, isto é, assuntos que vendem.


E mesmo com o tempo restrito de programação, ainda encontramos muitos jornais, talk shows, novelas que insistem em transmitir futilidades, afinal essas mesmas coisas vendem e o entretenimento alimenta o bolso dos empresários. O autor ainda aponta o fato que isso tem prejudicado as discussões críticas, devido à falta de tempo para aperfeiçoar o pensamento, o que tem feito surgir os fast thinking, pessoas que pensam por “ideias feitas”.


Outra questão abordada no livro é o uso da televisão ao alcance dos intelectuais. Podemos observar certas posturas relatadas pelo autor, onde jornalistas, escritores e pesquisadores participam da televisão visando à popularidade. É importante ressaltar também a metáfora dos óculos apresentada pelo autor, a ideia da busca pela exclusividade que o jornalista enfrenta, o que resulta muitas vezes na uniformização e na banalização de determinado assunto.


Na parte final do livro há ainda lugar para pequenos textos em anexo. O primeiro, “A Influência do Jornalismo”, de novo reiterando os mecanismos econômicos, em conjunto com uma análise aos Jogos Olímpicos enquanto espetáculo televisivo dominado pelo marketing. Por fim, está um posfácio sobre “O jornalismo e a Política”, onde Bourdieu alerta para a amnésia estrutural favorecida pela lógica do pensamento improvisado, e pela concorrência dos jornalistas a produzirem uma representação instantânea e descontínua do mundo.


À luz do exposto, “Sobre a Televisão” traz uma rica análise sobre os efeitos da televisão na construção de uma esfera cultural que interfere na vida de milhões de pessoas. No livro de 143 páginas, o autor estuda a cultura no espaço da mídia. A obra é extremamente recomendável e de vital importância para desenvolvermos nosso pensamento crítico referente à uma quebra desses moldes já estabelecidos.

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