Lucas Oliveira
Os povos indígenas representam, atualmente, menos de 1% da população brasileira. Esse povo, agora tão vulnerável e fragilizado, vem sendo violentado pelos “brancos” há mais de 500 anos. Durante uma pandemia, as circunstâncias poderiam ser diferentes, mas essa não é a realidade. A situação é devastadora para a etnia Yanomami. Em maio, três mulheres Sanöma, grupo dessa etnia, e seus bebês foram levados ao hospital com suspeitas de pneumonia. Porém, no hospital, as crianças foram contaminadas por covid-19 e morreram. E seus corpos desapareceram.
Crianças do povo Sanöma, que vive na Terra Indígena Yanomami, na fronteira do Brasil com a Venezuela (Foto: Sílvia Guimarães)
A repórter Eliane Brum escreve, para o EL PAÍS, mais do que uma matéria, uma história. Mães Yanomami imploram pelos corpos de seus bebês relata o sofrimento de mulheres indígenas negligenciadas e violentadas por um Estado que falhou e vem falhando há 5 séculos em preservar, valorizar e garantir mínimas condições de vida para esses povos. A história conta como, no meio de uma pandemia, uma sucessão de erros e omissões governamentais foram capazes de colocar em risco toda a sobrevivência de um povo e causar feridas quase espirituais em toda a comunidade.
Eliane Brum é velha conhecida dos Yanomami. Há mais de 5 anos, a escritora advoga sobre a causa indígena e luta pela valorização dessa população. Por isso, é possível perceber como a reportagem é real, crua e extremamente pessoal. Há muita emoção nas palavras escritas e é transmitido ao leitor o desespero e a angústia sofrida pelos Yanomami nesse momento de pandemia. Com a morte e desaparecimento dos corpos de seus entes, toda a comunidade sofre essas perdas. Ao final, há “apenas um morto, o que morreu — e não vivos que seguem mortos por não terem sido capazes de fazer o luto”.
A jornalista nos mostra um mundo, até então, esquecido. Por meio de uma investigação baseada em dados governamentais e entrevistas, Eliane relata a jornada dessas mulheres na busca pela verdade, apontando as defasagens de um governo que sequer possui um tradutor da língua portuguesa para atender essa população indígena. Ela escancara a desigualdade e a negligência vividas pelos povos que são dizimados por “vírus e balas” há séculos e, agora, pela Covid-19.
A repórter relata, por exemplo, que desde 1910, quando os Yanomami tiveram o primeiro contato com os brancos, eles vêm sendo dizimados por doenças, que chamam de xawara, e por tiros dos garimpeiros. Ela ainda cita o intelectual e líder Yanomami Daniel Kopenawa que tem denunciado ao mundo o perigo que seu povo corre: o genocídio. Eliane diz que pelo menos 40% da população que vive próxima a áreas de garimpo pode ser contaminada pela Covid-19.
Em dois momentos a reportagem se torna quase uma aula de cultura e empatia. Ao explicar a cultura Yanomami e seus rituais de morte, podemos entender mais a fundo as marcas e a dor que a morte e sumiço de seus filhos, irmãos, pais, amigos, provoca nesse povo. Além disso, é apresentado o relato de um pai, que também perdeu seu bebê, à Rede Pró-Yanomami. Com certeza um dos momentos mais tocantes e pessoais de toda a matéria.
Mães Yanomami imploram pelos corpos de seus bebês é uma reportagem de difícil leitura, devido, principalmente, à carga emocional presente nela. É quase impossível ler essas palavras sem sentir tristeza e dor pela perda dessas vidas, sem sentir raiva pela incompetência de não somente um, mas das dezenas de governos que têm sido incapazes de respeitar e dignificar os povos originários do Brasil. Leitura extremamente relevante e necessária para qualquer jornalista e cidadão, a reportagem nos mostra, mais uma vez, a realidade: vidas indígenas estão sob ataque.
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