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Resenha: Marvels

Pedro Eduardo

(Imagem: Reprodução)


O que leva alguém a ler Marvels? Muitos podem pensar que a resposta tem algo a ver com a arte da HQ. E de fato, ao longo da história surgem alguns quadros que são capazes de tirar o fôlego e justificar tal resposta. No entanto, o brilhantismo dessa história em quadrinhos vai muito além do magnífico trabalho de Alex Ross — ilustrador que aqui provava pela primeira do que era realmente capaz. A verdade é que Marvels tem dentro de suas páginas uma história fantástica (até mais que o quarteto) que fala do olhar humano sobre o mundo, além de dar um gostinho do que é a vida de um jornalista.


Marvels é uma HQ de 1994 que conta uma série de histórias que basicamente seguem a trajetória de sua editora, a Marvel. A forma encontrada por Kurt Busiek e Alex Ross (autor e ilustrador respectivamente que tiveram suas carreiras projetadas por essa obra) é não menos que brilhante, porque o que Marvels faz é acompanhar uma série de histórias clássicas através do ponto de vista de alguém comum, mais especificamente de um jornalista fotográfico.


É muito interessante que um jornalista seja o protagonista dessa história, já que dessa vez ele não é nada além disso. Em muitas HQs, o personagem principal é um herói cheio de superpoderes cujo alter ego é justamente alguém que trabalha como jornalista, porém quase sempre as histórias ignoram esse lado do personagem e focam somente na ação. E o protagonista da história contada em Marvels representa justamente uma quebra desse padrão.


Phil Sheldon é o personagem central dessa jornada. Quando a história começa em 1939, Phil, como qualquer outro jornalista daquela época, queria ir para a Europa, rumo à guerra. Afinal, essa era a melhor chance que qualquer um poderia ter para fazer seu nome como grande jornalista. No entanto, antes que Phil tivesse uma oportunidade, o seu mundo e o de todos ao seu redor é transformado.


É com a revelação de um androide humanoide capaz de ficar em chamas que as coisas começam a mudar, surge assim o Tocha Humana, a primeira Maravilha. Logo em seguida surgem ainda mais seres. Namor, o Príncipe Submarino e o Capitão América se juntam ao Tocha Humana para representar o começo de uma nova era – interessante que esses três personagens representam os primeiros personagens da editora Marvel. A presença de seres superpoderosos (ou Maravilhas, como o próprio Phil gosta de chamá-los) altera a perspectiva através da qual as pessoas veem o mundo. Os sentimentos que todos têm em relação a esses seres são muito conflitantes.


Frente a uma nova realidade, o sentimento de preconceito é o dominante, e todas as Maravilhas são vistas como uma ameaça, capazes de tirar dos humanos a soberania e o controle que eles têm sobre o mundo. Como acontece de costume, o novo causa espanto e tanto quanto pode ser abraçado, pode ser rejeitado, e é como essa história se desenrola. Por mais que esses novos seres usem seus poderes para fazer o bem e ajudar a todos, eles continuam a ser os alvos do ódio. Até mesmo Phil, um jornalista, que tem por função olhar para as situações e tentar extrair delas a verdade, se deixa levar pelo grito popular sem sequer perguntar os motivos.


No entanto, como também sempre é passível de acontecer, a história muda de figura. A ascensão de um herói como o Capitão América combatendo o nazismo, a publicidade que pode ser gerada com alguns seres superpoderosos e uma série de outros acontecimentos são capazes de mudar a percepção de todos acerca das Maravilhas, que deixam rapidamente de ser o problema e passam a ser a solução. É com essa mudança de ponto de vista que o mundo se torna algo diferente, as antes aberrações que ameaçavam a humanidade, agora são deuses inalcançáveis. Todas as Maravilhas continuam sendo os centros das atenções, só que de forma diferente. O foco agora vai para além de seus poderes e feitos, são as vidas dessas Maravilhas e quem elas são na sociedade que passam a ser as coisas mais importantes (por exemplo, quando o casamento entre o Senhor Fantástico e a Mulher Invisível, do Quarteto Fantástico, torna-se um evento de notoriedade tão grande qualquer outro).


A grande questão, no entanto, é que esse ciclo de ódio e preconceito nunca chega a um fim. Por vezes ele permanece temporariamente adormecido, mas só até que apareça uma nova chance. Na história de Marvels uma coisa fica clara: sempre haverá um alvo para os ataques do público, e depois das Maravilhas foi a vez dos mutantes. Os mutantes, assim como acontecia com as Maravilhas, eram vistos como aberrações e ameaças para a humanidade (a possibilidade de eles serem o próximo passo da evolução causava temor ainda maior que no caso das Maravilhas). Suas ações, mesmo quando boas, passavam a compor uma narrativa que os transformava na causa de todo o mal.


Quando os mutantes se tornam os marginalizados, Phil, assim como todos, hostiliza-os. Porém, quando determinada situação que envolve suas filhas e uma mutante (ainda criança) acontece em sua vida, ele tem sua visão mudada e é levado a repensar seus conceitos. Ele tenta entender o motivo de tanto ódio e nessa reflexão acaba por colocar tudo em perspectiva, seu entendimento sobre as Maravilhas e a relação delas para com o mundo muda de forma definitiva.


Phil sempre trabalhou como fotógrafo e sempre foi muito feliz ao escolher o momento de tirar uma foto – em todos os grandes planos da HQ, sempre está posicionado de maneira sútil, mas próximo ao assunto principal do quadro (tal como jornalista fotográfico que é). Certeiro, o que Phil fazia de melhor era extrair a realidade das situações que fotografava, dessa forma ele sempre esteve próximo às Maravilhas e da realidade delas, isso fez com que o jornalista tivesse um olhar diferente da maioria. Depois de passar anos fotografando as Maravilhas e seus feitos, Phil passou a perceber as particularidades da relação que existia entre o público em geral e as Maravilhas e como a ingratidão era algo mais que recorrente por parte do público.

(Imagem: Reprodução)


É muito interessante acompanhar a mudança de postura de Phil que, enquanto jornalista, muda seu foco, tenta trazer à tona a realidade acerca das Maravilhas e fazer com que todos reconheçam seus sacrifícios e feitos. O meio que Phil encontra para alcançar seu objetivo é o próprio jornalismo. Ele volta seus esforços para provar que um herói em específico, o Homem-Aranha (taxado como criminoso por muitos) é inocente de todas as acusações de seus supostos crimes.


Nesse momento do quadrinho são muitas as histórias que se cruzam, e os acontecimentos que se seguem levam Phil a um colapso e a uma eventual aposentadoria. Ao fim da história, ele está mais cansado do que nunca e acaba por desistir de uma luta que não tem mais forças para vencer e viver a vida que lhe resta ao lado de quem ama.


Durante a HQ, o trabalho jornalístico também é muito bem representado. “Quando o choque inicial passou, nós começamos a nos mexer. Afinal, éramos jornalistas.” É isso que foi relatado por Phil em um acontecimento que deixou toda a cidade paralisada e aterrorizada: a invasão do gigante devorador de planetas Galactus. Nessa situação, é possível ver como os jornalistas não param e seguem trabalhando. A produção que Busiek e Ross fazem é capaz de dar ao leitor um vislumbre do quão caótica e louca pode ser vida de um jornalista.


Marvels é uma obra fora de série, que vai muito além de uma história de super-heróis, capaz de falar muito sobre o comportamento humano e de como ele se relaciona com o diferente. A HQ é facilmente uma das grandes obras do gênero e um dos maiores trabalhos publicados pela editora Marvel. Busiek e Ross deveriam se sentir orgulhosos da obra que realizaram, pois ela proporciona uma experiência nada mais, nada menos que maravilhosa.


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