Maria Luise Brey
Você já imaginou como seria ter como professor um dos grandes nomes do jornalismo? Seymour M. Hersh, em Repórter: Memórias, dá uma aula sobre a profissão, e conta toda a sua trajetória e aprendizado ao longo de cinco décadas de carreira.
(Capa do Livro/Imagem: Reprodução)
No livro, Seymour começa contando que cresceu na zona sul de Chicago e “sem conhecer uma só pessoa na área do jornalismo e tendo muito pouco interesse pelo mundo além do campo de futebol e do playground mais próximo”. É algo comum até hoje: a distância entre o jornalismo e o cidadão.
Além das críticas que o autor faz aos jornalistas de sua época, Hersh não se calou diante do fato de que os jornais, atualmente, “correm para imprimir notícias que mal passam de indícios ou suspeitas de algo tóxico ou criminoso. Por falta de dinheiro, tempo ou de uma equipe habilidosa, estamos cercados por reportagens com 'ele disse, ela disse' nas quais o repórter não passa de um papagaio. Sempre pensei que era a missão de um jornal buscar a verdade e não apenas registrar a discordância”.
Aparecem ao longo do livro atividades e modos que hoje já não existem mais, como a função de contínuo, responsável por ler os jornais diários para identificar nas informações que os concorrentes abordaram e os seus repórteres não. Esse foi o primeiro cargo de Seymour no mundo do jornalismo, e que o ajudou a identificar a forma como os jornalistas escreviam. Mas, como é relatado posteriormente, observar não é a mesma coisa que aprender para isso você precisa treinar. Ainda como contínuo, Hersh aprendeu que os repórteres que não checam os fatos ou não escrevem reportagens completas não duram muito no emprego. Para exemplificar isso, ele cita a frase icônica do jornalista Arnold Dornfeld: “Se a sua mãe disser que te ama, é bom dar uma conferida”.
Já como repórter de primeira viagem, o autor nos revela situações em que foi colocado à prova — tinha um furo jornalístico sobre uma briga que havia acabado em morte, mas não uma declaração oficial da polícia e do legista sobre o óbito. Então, o que fazer, qual era a lição que ele aprendera? “Que chegar em primeiro lugar não é tão importante quanto estar certo, e ser cuidadoso”. Ou seja, o mais importante não é ser o primeiro a reportar um acontecimento, mas sim passar as informações corretamente, mesmo que te faça perder a posição de pioneiro. Outra lição que aprendeu foi que ter contatos e fontes confiáveis nunca é demais, isso sempre poderá te ajudar de alguma forma, e que andar com outros repórteres independente de onde trabalham, também pode ser útil.
Alguns dos principais atributos de Hersh, marcantes em toda a sua carreira, foram a coragem e a originalidade. Coragem para questionar e fazer aquilo que ninguém fazia, e procurar matérias que ninguém havia notado; originalidade para reinventar suas matérias e seu próprio jeito de fazer jornalismo. Ele relata que, em um de seus trabalhos, sua função era reescrever matérias, dando créditos ao jornal citado, para ser telegrafado para a agência de notícias Associated Press de Chicago. Então, ao invés de apenas reescrever, Seymour adicionou uma pitada de esperteza e senso de humor às matérias, acreditando que seus editores-chefes já estivessem cansados de sempre ler a mesma coisa, e “gostariam de publicar entrevistas inéditas e novas informações sobre assuntos importantes”. Assim, seus lides saíram da seguinte forma: “Sinbad, o gorila, acordou de ressaca hoje, assim como qualquer pessoa que não está acostumada com a cidade”; “O crime — quem poderia imaginar — está despencando na difícil cidade de Chicago”; “Chicago finalmente descobriu uma utilidade para a poluição. Vai deixar o novo centro cívico da cidade de 87 milhões de dólares mais bonito”. Diferenciando seu trabalho dos demais, Hersh recebeu uma promoção para começar a escrever suas próprias matérias, e não mais apenas cozinhar a de outros jornalistas.
Em uma de suas matérias, Seymour entrevistou a cantora Mahalia Jackson, e relata no livro que, por ter se aproximado dela, escreveu sua matéria de uma forma diferente, tornando-a mais agradável de ser lida pelo simples fato de deixar transparecer a humanidade, humildade e o bom humor da entrevistada. Com isso, ele mostrou que muitas vezes o jornalista retrata o outro de forma fria e objetiva, que é exatamente a forma contrária de escrita que cativa as pessoas.
No livro, o autor também destaca um de seus maiores aprendizados no mundo do jornalismo, o de sempre verificar os dois lados da história quando estiver cobrindo um acontecimento importante. Nesse relato, Seymour cobriu uma manifestação racial e escreveu sua matéria apenas em cima da palavra dos policiais, esquecendo-se de coletar relatos dos manifestantes. Seu editor então reescreveu a matéria sem apontar qual lado era culpado, e Hersh relatou: “Ele transmitira a gravidade da situação sem entrar no assunto de quem começou o quê. É claro que eu não tinha como saber quem atirou em quem, ou até mesmo se havia sido uma saraivada de balas", conta."Também percebi que não fiz o menor esforço em me aproximar dos manifestantes para perguntar do que se tratava o tumulto. Bob Olmstead, que acabou se tornando editor do Chicago Sun-Times, me deu uma aula de jornalismo equivalente a um diploma de mestrado naquela noite.”
Com o passar do tempo, Seymour foi cada vez mais se interessando pela guerra entre Estados Unidos e Vietnã, questionando o envolvimento do seu país e como ele era retratado na mídia. Em cima desse tema, ele desenvolveu uma ampla reportagem sobre o massacre de My Lai, “que mostrou ao mundo uma guerra que o governo preferia esconder”. Rendeu-lhe o Prêmio Pulitzer, um dos maiores na área do jornalismo. Também relatou a Guerra ao Terror, que foi uma estratégia global de combate ao terrorismo iniciada pelo então presidente norte americano George W. Bush, e circunstâncias mal esclarecidas a respeito da morte de Bin Laden.
Entre erros e acertos, Seymour nos mostra que nem o jornalismo nem o repórter são perfeitos, e quanto antes absorvermos isso, menos decepções com a área teremos. Lidar com o destino dos outros é uma parte necessária e muitas vezes brutal da profissão. Esse é um livro que relata a verdade nua e crua da vida de um jornalista, sem romantização ou glamour. De quebra, Seymour ainda dá detalhes de suas reportagens mais famosas, relatando processos de investigação, seus desafios e repercussões na sociedade. Os capítulos são longos, mas a escrita do autor é de uma fluidez e envolvimento que esse livro de 380 páginas se torna um conto de fadas para jornalistas.
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